janeiro 17, 2007

Partir da Rua dos Douradores ...

Partir da Rua dos Douradores, com Bernardo Soares, não será a forma mais fácil. A Rua é a verdade de si mesma, criada por nós, pela imaginação sensível de nós próprios. Por isso, não há outra realidade exterior à nossa e o que existe é aquilo que projectamos, porque apenas existe em nós. Desta forma, a experiência deve ser realizada em desfavor do contacto com as coisas, e com os factos, e em favor das latências de cada um e das suas proximidades. Aí assenta o conhecimento. A nossa erudição está em nós; não fora de nós. O que somos é o ponto de partida e chegada do que existe. E existe na medida em que o filtramos das realidades exteriores. É ainda uma questão de composição. E aqui entravamos em Joseph Brodsky, quando (no Watermark, cuja edição italiana, da Adelphi, tem o sugestivo título de Fondamenta degli Incurabili - Cais dos Incuráveis - o que é, já de si, além de um local concreto, uma evocação), a certo passo, pouco depois de desembarcar, em Veneza, na Estação de Santa Lucia, numa noite de Inverno (como é sempre a Veneza de Brodsky), nos revela: «Um cheiro é, afinal de contas, uma violação do equilíbrio do oxigénio, invadido por outros elementos - metano? carbono? enxofre? azoto? Consoante a intensidade da invasão, temos um aroma, um cheiro, um fedor. É uma questão de moléculas, e a felicidade será, julgo eu, o momento em que captamos, vogando livres, os elementos da nossa própria composição». Mas há, no entanto, aparentemente, em Brodsky, uma válvula de escape, o que não sucede, também aparentemente, com o ajudante de guarda-livros Bernardo Soares: o momento em que captamos (o aroma a algas geladas do Grand Canal), vogando livres ...

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