abril 02, 2007

As Ilhas como Metáfora: A Ilha Iniciática

A Ilha Iniciática
«A ilha é um lugar ideal para proceder à iniciação dos heróis. É o caso, designadamente de Creta: Zeus, o deus dos deuses, aí nasceu, longe dos palácios divinos, e aí foi educado e iniciado pelos Curetes nas faldas do monte Dicte, lembra Hesíodo em Os Trabalhos e os Dias. Esta ilha abrigará mais tarde o famoso labirinto concebido por Dédalo, onde serrá apriosionado o Minotauro (criatura demoníaca meio-homem, meio-touro) e de onde o jovem Ícaro, ignorando as advertências paternas, se evadirá perecendo nas águas. Neste labirinto, ainda, Teseu terá de aprender a escapar às armadilhas antes de retornar como rei a Atenas ... Creta permanecerá, aliás, para os atenienses (que a venceram cerca do ano 1400 a.C.) a imagem do outro, derrotado e escarnecido, exercendo, no entanto, uma atracção inquietante. Se a ilha surge com tanta frequência como lugar dos ritos de passagem, é também, por simbolizar, por excelência, o local de difícil acesso. As iniciações que aí se realizam são, consequentemente, múltiplas. Intelectuais, antes do mais, como em A Ilha do Dia Antes, de Umberto Eco. Em 1643, Roberto de la Grive naufraga perto das ilhas Fiji. Único sobrevivente, sem saber nadar, não consegue chegar à ilha que avista do seu navio ... Essa costa no objecto de todos os seus fantasmas e Roberto, através dos seus monólogos, perdido num no man`s land mental e geográfico, reconstitui as mais diversas invenções do saber, permitindo a Eco criar uma enciclopédia da sua lavra. Em O Deus das Moscas, William Golding recompõe o mundo a partir de uma iniciação sangrenta: abandonados numa ilha após a Segunda Guerra Mundial, as crianças redesenham uma sociedade de adultos com as suas hierarquias, desvios e vítimas sacrificiais. Mas a insularidade é, igualmente, um lugar recôndito para outras educações, sentimentais desta feita: em A Ilha de Arturo, Elsa Morante descreve Procida, no golfo de Nápoles, e situa aí o território dos amores interditos e adolescentes, enquanto Mario Soldati, nas suas Lettere de Capri, evoca os amores adúlteros onde as lembranças e as imagens do ser amado se insinuam e esvanecem nos reflexos da Gruta Azul, aprendendo, também, a viver com a ausência.» (texto de Clémence Boulouque; Lire, Junho 2004; Trad. de João Carlos Barradas).

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