janeiro 14, 2008

Tempo di Viaggio: Nostalghia (3)

Uma imagem serve uma lembrança. A partir daí podemos entrar num dos elementos essênciais do acto criador. A recordação, a imagem, seja ela memorizada ou presencial, é a evocação pessoal que o artista faz, numa dinâmica de liberdade, a partir de algo que interioriza ou interiorizou. Neste contexto, a capacidade de lembrar lugares determinados, sejam aqueles pelos quais passámos ou porque já faziam parte, mesmo antes de existirem, das nossas sensações, pode transportar-nos, dentro daquela liberdade (o tal vogando livres, como já aqui vimos a propósito do que poderá separar Brodsky e a Rua dos Douradores), e dentro da nostalgia correspondente, para a missão do artista e do significado da arte e, por isso, indo mais longe, para os limites ténues da vida, do tempo e de Deus. Acompanhemos, a este propósito, ainda o Diari: Martirologio e Sculpting in Time, donde, respectivamente, retiramos os seguintes dois registos de Andrej Tarkovszkij:

11.Nov.1981: «I do not know why - I remembered how, when I was in Italy, I found an icon, the Vladimir Mother of God, displayed in the ancient little church on the seashore. And how the trembling sweetness that I felt in my soul seemed to arise from a kind of impatience, the wait for some joyous event that would surely come to pass».

«Devoid of spirituality, art carries its own tragedy within it. For even to recognize the spiritual vacuum of times in which he lives, the artist must have specific qualities of wisdom and understanding. The true artist always serves immortality, striving to immortalize the world and man within the world». Mais em pormenor, e como súmula, ainda de Sculpting in Time (Tarkovszkij, Andrej. Sculpting in Time; Esculpir o Tempo. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1998), Tarkovszkij escreve:

«Quando falo de poesia, não penso nela como género. A poesia é uma consciência do mundo, uma forma específica de relacionamento com a realidade. Assim, a poesia tormna-se uma filosofia que conduz o homem ao longo de toda a sua vida. Lembremo-nos do destino e da personalidade de um artista como Alexander Grin que, morrendo de fome, foi para as montanhas com arco e flecha a ver se caçava algo com que pudesse alimentar-se. Relacionemos esse fato com a época em que este homem viveu, e tal relação nos revelará a figura trágica de um sonhador. Pensemos também no destino de Van Gogh. Pensemos em Prishvin, cujo próprio ser emerge das características daquela natureza russa (a tal nostalgia russa) que ele descreveu tão apaixonadamente. Pensemos em Mandelstam, em Pasternak, Chaplin, Dovjenko, Mizoguchi, para nos darmos conta da imensa força emocional dessas figuras sublimes que pairam altíssimo sobre a terra, e nas quais o artista aparece não como um mero explorador da vida, mas como alguém que cria incalculáveis tesouros espirituais e aquela beleza especial que pertence apenas à poesia. Tal artista é capaz de perceber as características que regem a organização poética da existência. Ele é capaz de exprimir a verdade e a complexidade profundas das ligações imponderáveis e dos fenómenos ocultos da vida». Além disto é difícil dizer mais. De um Tempo di Viaggio para a imagem e para o definitivo momento da recordação. Tudo se desmembra agora. Torna-se num vislumbre de algo que emana do destino e se refunde numa Nostalghia ou nas nostalgias de cada um e de cada viagem. Chegamos a Deus, à transcendência, ou aos seus significados. Mas mesmo assim, e para dar expressamente de frente com Ele (Diari: Martirologio, 11.Jun.1982):

«In my opinion, when we talk about God making man in His own image and likeness, we should understand that the likeness has to do with His essence, and this is creation. From this comes the possibility of evaluating a work and waht it represents. In short, the meaning of art is the search for God in man».

«The unbroken moment that comes to life within the images of Andrey Tarkovsky`s films and photographs is transfigured and becomes an unbroken moment of contemplation for those of us who look at them, making every image become a part of our lives, a memory of our own personal experience. The winged figure of an angel comes to rest, luminous in the surrounding darkness, like a visible presence of heaven on earth: a presence hidden by a veil, a presence that cannot be described except by the action of showing another invisible presence to our watching gaze» (Giovanni Chiaramonte in The Image as Remembrance. Instant Light - Tarkovsky Polaroids. Edited by Giovanni Chiaramonte and Andrey A. Tarkovsky. London: Thames & Hudson, 2004).