julho 04, 2008

Passing Through: Hotéis (2)

O Hotel Francia
Um homem está insconsciente a meio da rua, frente à entrada de um estabelecimento de venda de mezcal. Estamos no cenário de Under the Volcano, o romance de Malcolm Lowry, que nos leva até Oaxaca, no México.
À primeira hora da manhã as ruas estão vazias. O ar entra pela boca como se fosse mordido por lascas de limão verde. Não se ouve nenhum ruído nos casarões do centro da cidade. Passo à frente de um edifício que se chama Hotel Francia, no qual se alojou Malcolm Lowry em 1936, quando vivia muitos dos acontecimentos que acabou por narrar no seu lendário romance. Também por lá tinha estado D.H. Lawrence, doze anos antes, em 1924, quando uma espanhola era a dona do Hotel. Não parece que Lowry soubesse que compartilharia o Hotel com Lawrence, nem tampouco o importaria isso. Quando se hospedou no Hotel o autor de Under the Volcano estava a passar por uma dos seus habituais ataques de paranóia e pensava estar ser perseguido pela polícia. O Hotel Francia é um estabelecimento desfasado, com grandes quartos quase vazios, aos quais se chega por uma ampla escada revestida a azulejos. Há uma espécie de gente que viaja para ler e outra lê para viajar. Os que leem para viajar apenas puseram os pés fora da sua cidade, mas podem descrever com precisão as paisagens dos Himalaias, onde vive o leopardo da neve, só porque o leram num livro de Peter Matthiessen. Outros preferem ler os livros de Peter Matthiesen nos próprios lugares onde se desenrolam os acontecimentos. Por isso devemos entrar, como agora, no Hotel Francia. De algum modo, dormir no Francia significa reviver alguma das Irmãs Mexicanas de D.H. Lawrence. Ir ao México significa ter sido arrastados por todos estes livros, homens, mulheres e paisagens. Quando Lawrence se hospedou ali, no Hotel, em Oaxaca, as colinas que podia contemplar da sua janela pareciam-lhe "desafortunadas, quase como que uma ilusão, e inumanas". Olha-se pela janela e não se vê hoje colinas nenhumas. A única coisa que sabemos é que nós mesmos, se estivéssemos na nossa sala de estar, em casa, em vez de estar naquela quarto do Francia é que nos sentíriamos sem fortuna, quase ilusórios e, certamente, inumanos.

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