Goa Trance House
A chegada dos hippies coincidiu com a descolonização deste pequeno enclave português: com efeito, a Índia retomo-o pela força em 1961. (...) Assim, quando os primeiros hippies chegaram a Goa, ficaram surpreendidos por encontrar indianos com nomes evocadores como Rosário ou Miranda. Falavam uma mistura de português e concanim, o dialecto local, num cenário de igrejas com ar de Lego. Nesta região rica e não sobrepovoada podiam facilmente comunicar com uma população mais próxima da sua cultura. Podiam mesmo partilhar uma comida europeizada. Reencontravam assim alguns pontos de referência e uma forma de coabitação impossível em qualquer outro lugar da Índia. É preciso adicionar a isso uma tolerância surpreendente dos habitantes e um estatuto económico particular de porto franco com as suas consequências, em particular o contrabando.
Com efeito, Goa é o paraíso como o imaginamos na Europa. Está acessível aos mais desprovidos, já que podemos contruir cabanas nas praias se não tivermos com que pagar uma dessas casas coloniais com cortinas de conchas, perdidas no meio das buganvílias, coqueiros e cajueiros. Alugam-se por algumas centenas de francos por mês aos Ocidentais que as reservam de uma estação para outra. Os mais jovens agrupam-se e criam assim verdadeiras "casas de adolescentes". Dois acontecimentos principais ritmam a vida dos Ocidentais em Goa, a feira das quinquilharias e as raves. Verdadeiras bacanais, começam tarde na noite e duram até ao meio-dia do dia seguinte. O Flea Market tem lugar uma vez por semana na praia de Anjuna e dura todo o dia. É um momento de encontros e de trocas de informação, em particular para saber onde e quando terá lugar a próxima festa. Outros lugares "mágicos" sofreram investidas em certos períodos: as ruínas de Hampi, a trezentos quilómetros dali, as prias de Kerala (Trivandrum), o Rajastão (Pushkar) e, mais recentemente, Gokarn, no Karnataka. Serviram de base de encontros aos Ocidentais que viajavam, mas em nenhuma parte foi tolerada durante tanto tempo a sua sedentarização. O único lugar equivalente onde "colónias" de Ocidentais puderam instalar-se encontra-se a Norte de Deli, na região de Kulu e Manali, onde os europeus contribuíram para desenvolver a cultura intensiva de cannabis. Na altura da monção, ainda há alguns anos, centenas de Ocidentais deixavam Goa para ocupar os seus quartéis de Verão nestes vales temperados. Ficavam assim muitos anos na Índia, vivendo de comércios mais ou menos legais, migrando ao sabor das estações. No entanto, a nova legislação indiana sobre os vistos fez desaparecer este modo de vida: só alguns irredutíveis arriscam passar vários meses na prisão e pagar multas importantes para ficar a tempo inteiro na Índia. Mesmo se as coisas mudaram, Goa é sempre Goa e atrai mais do que nunca os viajantes de todo o mundo. Já não é o caminho depois de semanas de aventuras, mas um lugar onde se chega em charters. Se os junkies se vão tornando raros, as raves gratuitas regadas a LSD, ecstasy e haxixe continuam cada vez mais fortes. Ainda há "flipados", mas poucos, comparado com os anos 70. (...) Não esqueçamos que o deus Xiva - deus da destruição e, logo, da reconstrução - adquiriu, graças à sua experiência de drogas, um conhecimento da "realidade suprema". Os sadus, os homens santos da Índia, inspiraram o modo de vida dos primeiros hippies, que reconheciam neles pioneiros do que pregavam: o caminho e os despojamento. Este movimento romântico encontrava assim na Índia um eco das suas ideias, e um terreno propício à experiência psicadélica.
(excertos de Fous de L`Inde, Délires d`Occidentaux et sentiment océanique; Régis Airault; Trad. de Ana Isabel Mineiro; Edições Via Óptima; Porto,2006)
Passagem: Goa
Etiquetas: India, Livros: Fous de L`Inde, Lugares:India:Goa
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