março 01, 2008

O Síndroma da Índia

Com os meus colegas psiquiatras da embaixada, punha-me muitas vezes a questão: "A Índia enlouquece ou os loucos é que vão à Índia?", surpreendidos pela frequência destes episódios psiquiátricos atravessados pelos viajantes. Distinguíamos dois tipos de fenómenos: de um lado, o choque da Índia; do outro, a prova da Índia.
O primeiro é uma vivência de desrealização à qual é submetido todo o viajante à chegada. Mesmo se a pessoa já espera este choque cultural, a realidade ultrapassa muitas vezes o que ela imaginou e pode estar na origem de todo o tipo de sintomas: angústias, ataques de pânico, sideração, afundamento depressivo, etc.

Os quadros psiquiátricos agudos, esses começam algumas semanas mais tarde, na prova da Índia. Associam despersonalização, ideias delirantes - quase sempre místicas - e um vago sentimento persecutório. (...) De regresso a sua casa, o viajante guarda geralmente uma boa recordação desta "crise" e muitas vezes não tem senão um desejo: voltar lá.

Comparávamos esta síndroma indiana com as que foram descritas noutros lugares míticos, como Jerusalém ou Florença. No berço do cristianismo, o nosso viajante tomar-se-á facilmente pelo Messias e sentir-se-á investido de uma missão evangélica. Em Itália, será atingido pelo famoso síndroma de Stendhal* e vai descompensar quando da contemplação de obras de arte.

(* O síndroma de Stendhal é uma doença psicossomática que provoca acelerações do ritmo cardíaco, sufoco, e por vezes alucinações em alguns indivíduos, quando são expostos a grande números de obras de arte.)

Em todos estes casos, a viagem modifica a nossa percepção da realidade do homem no planeta e tem um valor iniciático. Interroga-nos sobre o nosso lugar no universo e sobrte a eterna questão da morte. Os adolescentes que cruzamos pelos caminhos desta peregrinação às origens sabem-no bem, e a Índia oferece-lhes o tempo à margem de que precisam para esta "passagem" da vida. "O Oriente para se orientar", dizia Michaux ... É esta discrepância no espaço-tempo que procuram também algumas pessoas que se "curam" viajando. Outros põem simplesmente entre parênteses, durante algumas semanas, o seu "mal-estar na civilização". Penso em particular em todos os Ocidentais que parem no Inverno para debaixo dos coqueiros, associando assim diversas funções "terapêuticas" da viagem: estimulação do imaginário, fuga ao stress e ao peso sócio-familiar, e terapia pela luz como se faz em certas patologias depressivas.

(excertos de Fous de L`Inde, Délires d`Occidentaux et sentiment océanique; Régis Airault; Trad. de Ana Isabel Mineiro; Edições Via Óptima; Porto,2006)

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1 Comments:

Blogger tavguinu said...

Olá,

a administração da horta em assembleia geral resolveu alterar os links que o pessoal lê e comenta, por isso este blog foi adicionado à lista do comia-te !

se não queres que o teu blog aparece lá na horta mostra a tua indignidade na horta, ou se por acaso fores a dar para o tímido/a manda um mail para a malta que rapidamente desapareces da horta !

não será por isso que te deixamos de ler e comentar !

um grande bem haja !

http://comia-te.blogspot.com/

11:10  

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