março 17, 2008

Todos os Delírios

No nosso imaginário é tradicional associar Índia e loucura. A literatura assim o testemunha, do Vice-Cônsul de Marguerite Duras a O Homem que quis ser Rei de Rudyard Kipling, passando por Os Charutos do Faraó de Hergé. Nos anos 70, a opinião centralizou-se sobre os toxicómanos ou os jovens "que lá se drogam e enlouquecem". Na verdade, admitia-se que não se regressava indemne desta viagem por vezes iniciática, mas sempre patológica. Era preciso ser louco, pensava-se, para ir lá e arriscar-se. Só uma atracção irracional ou um delírio místico "orquestrado" por uma seita podiam motivar esta viagem.

Hoje as coisas mudaram. A Índia já não está reservada às viagens patológicas dos toxicómanos - apesar destes não faltarem na "lista de encontros" do viajante, e de serem sobretudo as raves de Goa que assustam os pais. Instalou-se uma outra realidade, que já não se esconde por trás da cortina da droga: a Índia pode "enlouquecer". Por isso é normal que, regressado da Índia, o viajante conte a história do seu encontro numa esquina de rua, ou no estribo de um autocarro, com um "flipado" de olhar perdido no cosmos. E ainda mais normal é que ele tenha pensado, num dado momento do seu périplo, largar tudo e viver, simplesmente viver, ao ritmo das monções, os seus desejos, os seus fantasmas. Não permitirá a Índia todos os delírios? (...) A experiência indiana convida a uma exploração do originário. Ela reactiva a parte mais arcaica do pensamento, que está na própria raíz dos processos de simbolização. Assim, a Índia interroga em nós a tenra infância, em particular dos adolescentes, dos quais conhecemos o estranho parentesco com esta época da vida. Ela faz ressoar o harmónico e acorda antigas angústias: fantasmas de devoração, de parcelamento e aniquilação, mas também de fuga. Na Índia vive-se nú, ou quase. Temos a impressão de estar numa espécie de bolha, de cavidade húmida e quente, atemporal, onde mesmo a comunicação é suposta ser feita "por vibrações". Este fantasma original de regresso ao útero maternal parece assombrar todos os indianos, que não desejam senão uma coisa: atingir o nirvana, a fusão primitiva com o "grande todo", e "dissolver-se", como um "boneco de sal", no oceano, para ser uno com o Universo.

A dimensão regressiva da Índia mantém o viajante num sentimento de todo-o-poderoso. Ele reencontra o conforto do narcisismo primário infantil e a omnipotência que lhe é atribuída. Este regresso inconsciente e momentâneo a um estádio precoce de indiferenciações Eu/não-Eu onde o bebé e a mãe são apenas um, dá a impressão de que tudo se torna possível. Daí a tomar-se por um super-homem e a reinvidicar a imortalidade, é só um passo. (excertos de Fous de L`Inde, Délires d`Occidentaux et sentiment océanique; Régis Airault; Trad. de Ana Isabel Mineiro; Edições Via Óptima; Porto,2006)

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2 Comments:

Blogger Pedro Ludgero said...

Na única viagem que fiz à Índia, senti-me estranhamente próximo do "ser humano".

É quase tudo o que posso dizer da experiência__

19:07  
Anonymous Anónimo said...

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06:09  

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