agosto 18, 2008

Os Dias da América (5)

Para quem sai de Baltimore em direcção ao Western Maryland, a caminhada para Oeste, hoje como ontem, começa aí por volta de Hagerstown, ainda antes do Garret County, a província mais ocidental. A paisagem natural e humana do Maryland altera-se completamente; entramos nas zonas rurais e naquele território que no século XIX começou a ser desbravado pela grande epopeia dos pioneiros em demanda da terra da oeste do novo mundo. Já na zona de Cumberland e Grantsville é patente a simbologia e a lembrança desses tempos gloriosos da América. As cidades ainda possuem algo de atmosfera dos anos dos caminho de ferro, o que é factualmente mostrado pelos resquícios do lendário Appalachian Trail. Depois do Deep Creek Lake, o maior lago do Maryland e hoje uma zona turística sem grande interesse para além do sossego que ainda se pode encontrar em alguma zonas mais afastadas do lago e em alguns Lodges de montanha, como por exemplo o belíssimo Savage River Lodge, todo em madeira, metido adentro numa floresta a fazer lembrar filmes arrepiantes como Deliverance e Southern Confort, chegamos à pequena de Oakland, ponto de passagem para a West Virginia. O território adensa o seu isolamento, as florestas proliferam e os ursos e os veados vivem pacificamente, salvo o perigo constante ao atravessarem inadvertidamente as estradas. As estradas são belíssimas, ladeadas de dinners e motels, num quadro eminentemente americano e ligado às nossas memórias cinematográficas.
A partir de Oakland em direcção ao sudoeste entra-se no estado da West Virginia. A West Virginia é um território eminentemente ligado à história dos pioneiros dos Estados Unidos, a partir de 1712. Marcadamente rural, a paisagem estende-se com os sinais tipicamente americanos do interior: as crossroads da civil war, os móteis, os dinners de estrada, as quintas, as casas com alpendres onde os americanos preguiçam a olhar a estrada ou as colinas, as harley davinsons. À entrada da West Virginia pela western Maryland encontramos, no County Tucker, o Cannaan Valley. O vale serve os amantes da tranquilidade tanto no inverno como no verão. No inverno a temperatura chega a rondar os 20º negativos, mas, agora, em Agosto, durante a noite cai no máximo até aos 12º positivos. O Cannaan Valley é atravessado pela estrada que conduz a Davis, um povoado pequeno, com 3 restaurantes e um bar, uma bomba de gazonina e dois supermercados enormes, como é, aliás, comum em toda a América. A oferta é desmesuradamente grande. Tudo se compra, tudo se vende. Davis é um local tranquilo, e quando o sol cai e a lua aparece enorme por cima das florestas povoadas de ursos e gamos, apetece ficar a pernoitar no Black Bear Resort, uma estalagem tipica de montanha, formada por casinhas de madeira e um lote de apartamentos todos equipados, inclusive com lareira nos quartos. A noite não é cara: fica-se de fronte para o vale, num enorme quarto com varanda, num silêncio impossível de descrever e com a neblina a descer sobre as árvores, por cerca de 56 eur. O local é absolutamente fabuloso. Esta é uma das zonas do oeste americano dos tempos aureos. Pode voltar-se para o Maryland pelo estado da Virginia. Sai-se de Cannann Valley na West Virginia e entra-se na Virginia por Harrisonburg. Se o West Virginia é um território carregado de memórias, a Virginia não o é menos, pelo contrário. A Virginia está intimamente ligada à Civil War e concentrou em si a vontade sulista, com os exercitos do sul a partirem daqui até Gettysburg, onde viriam a ser derrotados, depois da vitoria em Antietam, no Maryland, junto a Sharpsburg. Aliás, aquele que é considerado o maior estratega militar americano de todos os tempos, o lendário General Lee, era da Virginia. A Virginia é um território lendário, ligado no espírito americano a uma certa nostalgia do sul, o que é patente em algumas das casas que ladeiam as estradas através das bandeiras tradicionais sulistas hasteadas ao lado da actual bandeira dos EUA. Só falta ouvir assobiar o Dixie, o hino que consagrou a epopeia sulista e que seria escutado para sempre entre os lamentos de Gettysburg, na Pennsylvania. O regresso ao Maryland faz-se pelo famoso Shenandoah, atravessado pelo rio do mesmo nome, um vale larguíssimo e aberto, intrinsecamente ligado às nossas memórias dos indios nativos americanos, que o habitavam ainda no princípio do século XX, aos pioneiros, ao caminho de ferro e às cidadezinhas espalhadas nas suas vertentes, bem como ao mítico filme, protagonizado por James Stewart, com o mesmo nome Shenandoah, e que conta a história de um agricultor que vivia neste vale nos tempos da guerra civil americana. Enfim, crónicas do oeste ...

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