fevereiro 11, 2009

Breviário Mediterrânico (3)

Predrag Matvejevitch atravessou o imenso mar interior, o imenso Oeste branco do Mediterrâneo de um lado a outro, desde as planícies croato-panónias às areias da Tunísia, da vertente dos Apeninos às gargantas do Montenegro, acima de Kotor, das Cíclades gregas ao arquipélago italiano das Lipari, do norte da Líbia ao litoral turco, passando pela Síria, de Marselha a Alexandria, de Atenas a Roma, do mediterrâneo católico ao mediterrâneo ortodoxo, da cultura da oliveira ao scirocco, entre o Fásis e as Colunas de Hércules. Desenhou curvas, contou as fronteiras, seguiu as cartas e os mapas, orientou-se pelo voo das gaivotas e pela espessura da espuma das ondas, subiu aos mosteiros, aos meteoros da Grécia, avançou para dentro das terras, viu como algumas são ainda mais marítimas do que outras que se encontram na orla, deteve-se nas capitanias, nos pontões abandonados, traçou os limites, as rotas, ouviu as fábulas, as superstições e as línguas antigas, regionais, costeiras, cheirou as redes e as tintas das embarcações, reparou nos molhes a esfumarem-se no azul e parou por fim, em oração, a contemplar o que viu. De tudo, e por tudo, ofereceu-nos esse itinerário indefinível, essa mistura de poema, romance e ensaio, de investigação histórica e tratado de filosofia, esse breviário barroco e infinito, a obra inesquecível, leve e solar como mar que a envolve, que é Mediteranski Brevijar.
Robert Bréchon, que assina o Posfácio, intitulado, Cenas de um Mundo Terráqueo, escreve: «Predrag Matvejevitch percorreu do mesmo passo o espaço e o tempo do Mediterrâneo. Viu com os seus próprios olhos grande parte das suas margens. Armazenou grande parte do saber que se foi acumulando desde que há quatro mil anos ali há homens que navegam, pescam, pensam, fazem a guerra, constroem cidades. O que caracteriza o Mediterrâneo é uma relação singular entre a terra, o mar e o homem». Claudio Magris, que introduz o livro, concretiza: «A cultura e a história mergulham directamente nas coisas, nas pedras, nas rugas dos rostos humanos, no gosto do vinho e do azeite, na cor das ondas. Matvejevitch tenta agarrar o Mediterrâneo, abandonar-se ao encanto desta palavra, mas também circunscrever rigorosamente o seu sentido, traçar limites e fronteiras. Segue as diversas rotas mediterrânicas, as do tráfico do âmbar e das peregrinações dos Judeus sefardins, da área da vinha e do curso dos rios; as fronteiras tornam-se então movediças e ondulantes: embora coerentes e concêntricas, desenham curvas ideais como as linhas isóbaras ou como as cristas das ondas».

fevereiro 02, 2009

Breviário Mediterrânico (2)

Predrag Matvejevitch é croata, nasceu a cerca de 50 km da belíssima costa da Dalmácia, em Mostar, na Herzegovina, ao que não será de forma nenhuma alheio o pendor do Breviário Mediterrânico. «Em Mostar, diz ele, sopram os ventos do mar. Debaixo da velha ponte turca voam guinchos de uma espécie marinha; muitas vezes, pelo meio dia, o mistral». É professor em importantes universidades da Europa, eminente especialista em estudos românicos da Universidade de Zagreb, autor dessa brilhante obra de crítica historiográfica que é Pour une poétique de l´événement (1979), uma grande voz da Mitteleuropa e das planícies croato-panónias, um dos mais distintíssimos intelectuais europeus do nosso tempo e, afinal, inventor, como diz Bréchon, de uma nova arte de escrever, com este magistral Mediteranski Brevijar. Em criança, quando vivia em Sibenik, na costa dálmata, deixava-se fascinar pelos rios e pelas costas mediterrânicas e a si mesmo perguntava porque é que a faixa litoral é por vezes tão estreita e tão curta, e porque é que as gentes que vivem na costa têm outros hábitos e cantam outras canções. Matvejevitch é ainda autor de outros textos fundamentais, tais como Epistolaire de L´Autre Europe, de 1993 (entre nós: Epistulário Russo, também publicado pela Quetzal, em 1995, igualmente com tradução de Pedro Tamen e Introdução de Robert Bréchon), L´île Méditerranée/Photographies de Mimmo Jodice, que recomendo vivamente e pode ler-se como uma espécie de súmula de Breviário Mediterrânico, e esse não menos belíssimo périplo poético por uma Veneza latente e invisível, um outro autêntico breviário, no tom e no conteúdo, mais do que obrigatório para os amantes da cidade do Adriático, intitulado Druga Venecija (L´Autre Venise), que se pode encontrar também na Fayard. Mediteranski Brevijar é um livro como deviam ser muitos livros: cada palavra e frase pressentem uma infinitude de outras coisas, uma evocação, uma enumeração, uma análise e um itinerário exaustivo. Passa por nós como o vento que nos branqueia a cara à vista do arquipélago das Elafitas, em Dubrovnik, ou com os reflexos do brilho da água quente de Rovinj, na Ístria. Breviário Mediterrânico é uma viagem como deveria ser cada viagem: completa, com o seu «alegre saber», e gradualmente mais leve e parecida com um fantasma de si própria: na memória e na nostalgia. Como um imenso mediterrâneo branco. Predrag Matvejevitch começa assim: é o primeiro parágrafo, dá-nos logo aí o tom de todo o texto:
«Não sabemos ao certo até onde vai o Mediterrâneo, nem que parte do litoral ocupa, nem onde acaba, tanto em terra como no mar. Para os Gregos, de Leste para Oeste, estendia-se do Fásis, no Cáucaso, até às Colunas de Hércules; consideravam implícita a sua fronteira natural a Norte e às vezes não se preocupavam com os seus limites a Sul. Os sábios da Antiguidade ensinavam que os confins do Mediterrâneo se situam onde a oliveira se detém. Nem sempre nem em toda a parte é assim: há lugares na costa que não são marítimos, ou que o são menos que outros, mais afastados dela. Há lugares em que o continente não se alia ao mar, em que se revela difícil a concordância entre eles. Noutros pontos, o carácter mediterrânico abrange mais vastas porções do continente, penetra-as mais com a sua influência. O Mediterâneo não é apenas uma geografia