janeiro 30, 2008

Inutile Phare de la Nuit (2)

À noite, em redor de Porto Pim, na Horta, depois das casas brancas e das tabernas onde Lucas Eduíno, embalado pela melopeia sincopada dos pézinhos e sapateias e pelo ardor lento do vinho «de cheiro», conta a sua história de destino e maldição aos turistas ou viajantes que por acaso ali passam, ouve-se, junto às pequenas fábricas de cachalotes abandonadas, ainda com os ganchos e anilhas ferrugentas, a canção perigosa e lânguida das moreias, «tão antiga como as ilhas», mágica e silenciosa como as águas negras da baía, ou o canto agudo e ancestral dos cachalotes a chamar-nos de um fundo escuro e impossível no oceano imenso, algures num qualquer ponto real ou imaginado, e que, de uma ou outra forma, nunca poderemos ver. Como nos diz Antonio Tabucchi, a certa altura, num momento maravilhoso desse magnífico livro que é Mulher de Porto Pim e Outras Histórias (Trad. de Maria Emília Marques Mano para a Difel): «Às vezes cantam, mas só para si, e o seu canto não é um chamamento, mas uma forma de lamento angustiado. Cansam-se depressa, e quando cai a noite estendem-se sobre as pequenas ilhas que os transportam e talvez adormeçam ou olhem para a lua. Vão-se embora deslizando em silêncio e percebe-se que são tristes». Fiquemos com outras passagens de Donna di Porto Pim, a começar na ilha mais longínqua, o Corvo:
«E assim cheguei mesmo ao cimo do promontório e enquanto, observando o mar infinito, já me estava a abandonar ao mal-estar que o desengano provoca, uma nuvem azul desceu sobre mim e arrebatou-me para um sonho: e sonhei que te escrevia esta carta, e que eu não era o grego que partiu em busca do Ocidente e mais não voltou, mas que estava apenas a sonhá-lo

E enquanto as pequenas baleias azuis se passeiam ao largo, o fragmento da história de Marcel, no embalo do barco a costejar São Jorge, e da mulher luminosa que sorri para ele, debaixo do sol:

«Deve ser porque tenho pensado muito em ti, continuou, nestas ilhas, no sol. Agora falava quase sussurrando como se falasse para si própria. Não fiz senão imaginar-te, durante todo esse tempo, choveu sempre, via-te sentado numa praia, penso que foi demasiado longo. O homem pegou-lhe na mão. Também para mim, disse, mas nas paraias estive pouco, o que mais vi foi a máquina de escrever. E depois chove também aqui, a cântaros. A mulher sorriu

E depois:

«De qualquer modo escrevi outras coisas, prosseguiu ele, estas ilhas são de um tédio mortal, para passar o tempo não há outro remédio senão escrever. E além disso queria confrontar-me com uma dimensão diferente, passei toda a vida a escrever ficção. A mim parece-me mais nobre, disse a mulher, pelo menos é mais gratuita, e portanto, como dizer?, mais leve ... Oh sim, riu o homem, a delicadeza: par délicatesse j`ai perdu ma vie. Mas a certa altura é preciso ter a coragem de se medir com a realidade, pelo menos com a realidade da nossa vida. E depois, olha, a gente está sedenta de vida realmente vivida, está cansada da fantasia dos romancistas sem fantasia. A mulher perguntou baixinho: são memórias?».

E outros fragmentos: os que decidem partir e não voltar; a Horta; os acasos; as baleias adormecidas, a ilha absoluta do Pico; o regresso de uma caça; a história fantástica de Lucas Eduíno, em Porto Pim; os ventos sobre tudo o resto: Inutile Phare de la Nuit:

«Rupert tem o cabelo muito ruivo, sardas, uma cara patusca de Danny Kaye. Talvez me tenha dito que era escocês ou talvez eu o considere como tal devido à sua fisionomia. Em Londres trabalhava numa companhia de navegação: anos e anos sentado a uma mesa, com a luz eléctrica acesa, a sonhar os portos longínquos donde chegavam mercadorias exóticas. Assim, um dia pediu a liquidação, vendeu tudo o que tinha e comprou este barco. (...) Breezy foi com ele e agora vivem no barco. Seja benvindo a nossa casa, dizem rindo. Breezy tem um rosto franco muito cordial, um esplêndido sorriso e traz um vestido comprido às flores como se tivesse de enfrentar um garden-party e não uma travessia do Atlântico

Inutile Phare de la Nuit: o destino em Porto Pim. Voltamos à história de Rupert e Breezy, que os ventos levaram à Horta e que agora os fazem partir de novo:

«Os copos batem mum brinde à viagem. Oxalá tenham bons ventos, é o que lhes desejo, agora e sempre. Rupert corre a portinha de uma estante e introduz uma bobina na aparelhagem estereofónica. É o Concerto K 271 para piano e orquestra de Mozart, e só neste momento compreendo porque o barco se chama Amadeus. (...) Penso que Rupert e Breezy atravessam os mares acompanhados pelos cravos e pelas melodias mozartianas e a coisa parece-me de uma estranha beleza, talvez porque sempre associei a música à ideia da terra firme, do teatro ou de uma sala com isolamento sonoro e na penumbra. A música adquire um tom solene e envolve-nos. Os copos estão vazios, levantamo-nos e abraçamo-nos. Rupert põe o motor a trabalhar, meto-me pela escadinha e num pulo estou no molhe. Cai uma luz macia sobre o aglomerado de casas de Porto Pim. O Amadeus dá uma volta e parte velozmente. Breezy vai ao leme e Rupert está a içar a vela. Fico a acenar com a mão até que o Amadeus, já com todas as velas pandas, alcança o largo.»

Inutile Phare de la Nuit ...

janeiro 22, 2008

Inutile Phare de La Nuit (1)

Antonio Tabucchi escreveu em 1983 umas das suas obras mais emblemáticas, que, com os anos, se foi tornando, para muitos de nós, uma espécie de segredo precioso, um livro clássico e fundamental, uma outra viagem pessoal: Donna di Porto Pim e Altre Storie (Mulher de Porto Pim e outras Histórias). Se Mediteranski Brevijar (Breviário Mediterrânico), do croata, nascido em Mostar, na Herzegovina, Predrag Matvejevitch, é, à maneira de Michelet, um avanço em relação ao estudo exaustivo e quase definitivo de Braudel sobre o Mediterrâneo, porque parte da sua realidade histórica, cultural e polícia para a inventar e nomear nas entrelinhas o que remanesce como um espécie de rede mais importante e perene, podemos considerar Donna di Porto Pim uma extensão, mais fragmentária e respirada, de Mau Tempo no Canal, de Nemésio, de As Ilhas Desconhecidas, de Raul Brandão, e, mais recentemente, de Açores, O Segredo das Ilhas, de João de Melo. Não é que os livros de Matvejevitch e de Tabucchi sejam semelhantes, que não são. Ou melhor: não são, mas também são. Na verdade, à semelhança do Breviário, também poderemos considerar o livro de Tabucchi um breviário de géneros literários. Também estão lá a abordagem histórica, e enumeração e a descrição diminuta das personagens e dos lugares, a efabulação poética, a narrativa de viagens, a atenção aos pormenores imperceptíveis, as transcrições e os apêndices, a extensão da realidade para a ficção, a metáfora e a alusão. E igualmente a viragem, já operada com La Mer, de Michelet (que Claudio Magris refere a propósito de Brevijar), das grandes impressões históricas, geográficas e políticas para a importância da topografia das costas, das tonalidades dos mares interiores ou mais afastados, dos faróis e tempestades, da forma como os corpos das ilhas emergem no oceano a fazer lembrar o dorso escuro e rochoso das baleias ou o silêncio dos homens que à noite se sentam à mesa das esplanadas a entoar sapateias e a ouvir lendas misteriosas de desaparecimentos no mar e de mulheres que partem tão repentinamente como chegam, como relatos inacabados. Também a narrativa de Tabucchi, como a de Matvejevitch, nos enche a memória com uma leve penugem solar e quente, onde os olhos brilham, com a mesma intensidade do sol a pique, inundados de ilhas e promontórios, de planaltos e portos onde nada há a fazer senão «escrever» e ir vendo os barcos chegar e partir e acompanhá-los ao longo dos paredões a deixarem um rastro onde ecoam histórias impossíveis e aventuras esquecidas. Em Matvejevitch, somos levados por cima, no imenso Mediterrâneo branco, a perdermo-nos desde as areias da Tunísia e da Líbia às águas calmas da Ístria eslovena ou croata, passando por todas as ilhas e arquipélagos; em Tabucchi vamos também desde o alto, pelo imenso Atlântico verde-azul, através das inefáveis e belísimas ilhas que formam, como uma miragem esfumada e um reduto guardado da memória, o arquipélago real e sonhado dos Açores.
Donna di Porto Pim e Altre Storie está entre nós publicado pela Difel com o título de Mulher de Porto Pim. São 104 páginas inesquecíveis e que nos levam a uma viagem real e imaginária de que nunca sairemos. A tradução esteve a cargo de Maria Emília Marques Mano e julgo que o livro já vai na 7ª ou 8ª edições, o que é claramente revelador do poder, quase onírico, de uma obra, que, embora, de certa forma discreta, soube atravessar os anos, entranhar-se em cada um dos seus leitores e alargá-los, como uma rede cada vez mais consistente de apaixonados que derivam num circuito restrito, a que voltam sempre. Mulher de Porto Pim é um texto lindíssimo, uma verdadeira variação da memória, uma enorme metáfora e uma mitologia particular e secreta sobre os Açores. Os temas de que trata, se é que de temas realmente se tratam, são logo adiantados por Tabucchi no seu Prólogo: as pequenas baleias azuis que se passeiam ao largo dos Açores nos dias de maior bonança; o relato de uma caça ao cachalote ao largo do Pico; os naufrágios, «que na sua acepção de actos falhados e malogros parecem igualmente metafóricos»; a vida e a morte de Antero de Quental, que se suicida em Ponta Delgada em 11 de Setembro de 1891; as vidas que se perdem pelo caminho e as que foram levadas pelos ventos às costas do Faial; os fragmentos das impressões e descoberta das ilhas, com referências a Alberto I, Príncipe do Mónaco, que no final do século 19 passou pelos Açores a bordo da sua Hirondelle, a Chateaubriand, Michelet, Melville e Joshua Slocum, o primeiro navegador solitário à volta do mundo e que em Julho de 1895 arribou à Horta empurrado pelos ventos; esse lugar mítico, ponto de encontro de todos os navegantes, velejadores e viajantes do mundo, «destinatário de mensagens precárias e de sorte incerta», que é o "Peter`s Bar", na Horta; os livros e os mapas; os lugares e as evocações de jornadas, como o «trecho intitulado Sonho em forma de carta, devido em parte a uma leitura de Platão e em parte aos solavancos de uma lenta camioneta que ia da Horta a Almoxarife»; e a história fantástica de «Lucas Eduíno, que matou com o arpão a mulher que julgava sua, em Porto Pim», que não sabemos se real, imaginada ou um pouco das duas, contada, à noite, entre a toada dos pézinhos e chama-ritas, aos turistas numa taberna da baía de Porto Pim, na Horta.

Tabucchi começa assim Mulher de Porto Pim e, à semelhança do que sucede com Mediteranki Brevijar, de Matvejevitch, ficamos logo com o espírito de todo o texto que se seguirá daí para a frente:

«Depois de ter velejado durante muitos dias e muitas noites, compreendi que o Ocidente não tem fim, antes continua a deslocar-se connosco, e que podemos persegui-lo quanto quisermos que nunca o alcançamos. Assim é o mar ignoto que fica para além das Colunas, sem fim e sempre igual, do qual emergem, como pequenas espinha dorsal de um colosso desaparecido, pequenas cristas de ilhas, nós de rocha perdidos no azul

E mais à frente, remata:

«Durante muito tempo trouxe na memória uma frase de Chateaubriand: Inutile phare de la nuit. Creio que lhe atribuí sempre um poder de desencantado conforto como quando nos apegamos a algo que se revela um inutile phare de la nuit e, contudo, nos permite fazer alguma coisa apenas porque acreditávamos na sua luz: a força das ilusões. Na minha memória esta frase andava associada ao nome de uma ilha longínqua e improvável: Ile de Pico, inutile phare de la nuit

janeiro 14, 2008

Tempo di Viaggio: Nostalghia (3)

Uma imagem serve uma lembrança. A partir daí podemos entrar num dos elementos essênciais do acto criador. A recordação, a imagem, seja ela memorizada ou presencial, é a evocação pessoal que o artista faz, numa dinâmica de liberdade, a partir de algo que interioriza ou interiorizou. Neste contexto, a capacidade de lembrar lugares determinados, sejam aqueles pelos quais passámos ou porque já faziam parte, mesmo antes de existirem, das nossas sensações, pode transportar-nos, dentro daquela liberdade (o tal vogando livres, como já aqui vimos a propósito do que poderá separar Brodsky e a Rua dos Douradores), e dentro da nostalgia correspondente, para a missão do artista e do significado da arte e, por isso, indo mais longe, para os limites ténues da vida, do tempo e de Deus. Acompanhemos, a este propósito, ainda o Diari: Martirologio e Sculpting in Time, donde, respectivamente, retiramos os seguintes dois registos de Andrej Tarkovszkij:

11.Nov.1981: «I do not know why - I remembered how, when I was in Italy, I found an icon, the Vladimir Mother of God, displayed in the ancient little church on the seashore. And how the trembling sweetness that I felt in my soul seemed to arise from a kind of impatience, the wait for some joyous event that would surely come to pass».

«Devoid of spirituality, art carries its own tragedy within it. For even to recognize the spiritual vacuum of times in which he lives, the artist must have specific qualities of wisdom and understanding. The true artist always serves immortality, striving to immortalize the world and man within the world». Mais em pormenor, e como súmula, ainda de Sculpting in Time (Tarkovszkij, Andrej. Sculpting in Time; Esculpir o Tempo. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1998), Tarkovszkij escreve:

«Quando falo de poesia, não penso nela como género. A poesia é uma consciência do mundo, uma forma específica de relacionamento com a realidade. Assim, a poesia tormna-se uma filosofia que conduz o homem ao longo de toda a sua vida. Lembremo-nos do destino e da personalidade de um artista como Alexander Grin que, morrendo de fome, foi para as montanhas com arco e flecha a ver se caçava algo com que pudesse alimentar-se. Relacionemos esse fato com a época em que este homem viveu, e tal relação nos revelará a figura trágica de um sonhador. Pensemos também no destino de Van Gogh. Pensemos em Prishvin, cujo próprio ser emerge das características daquela natureza russa (a tal nostalgia russa) que ele descreveu tão apaixonadamente. Pensemos em Mandelstam, em Pasternak, Chaplin, Dovjenko, Mizoguchi, para nos darmos conta da imensa força emocional dessas figuras sublimes que pairam altíssimo sobre a terra, e nas quais o artista aparece não como um mero explorador da vida, mas como alguém que cria incalculáveis tesouros espirituais e aquela beleza especial que pertence apenas à poesia. Tal artista é capaz de perceber as características que regem a organização poética da existência. Ele é capaz de exprimir a verdade e a complexidade profundas das ligações imponderáveis e dos fenómenos ocultos da vida». Além disto é difícil dizer mais. De um Tempo di Viaggio para a imagem e para o definitivo momento da recordação. Tudo se desmembra agora. Torna-se num vislumbre de algo que emana do destino e se refunde numa Nostalghia ou nas nostalgias de cada um e de cada viagem. Chegamos a Deus, à transcendência, ou aos seus significados. Mas mesmo assim, e para dar expressamente de frente com Ele (Diari: Martirologio, 11.Jun.1982):

«In my opinion, when we talk about God making man in His own image and likeness, we should understand that the likeness has to do with His essence, and this is creation. From this comes the possibility of evaluating a work and waht it represents. In short, the meaning of art is the search for God in man».

«The unbroken moment that comes to life within the images of Andrey Tarkovsky`s films and photographs is transfigured and becomes an unbroken moment of contemplation for those of us who look at them, making every image become a part of our lives, a memory of our own personal experience. The winged figure of an angel comes to rest, luminous in the surrounding darkness, like a visible presence of heaven on earth: a presence hidden by a veil, a presence that cannot be described except by the action of showing another invisible presence to our watching gaze» (Giovanni Chiaramonte in The Image as Remembrance. Instant Light - Tarkovsky Polaroids. Edited by Giovanni Chiaramonte and Andrey A. Tarkovsky. London: Thames & Hudson, 2004).

janeiro 06, 2008

Tempo di Viaggio: Nostalghia (2)

A sequência italiana de Andrej Tarkovszkij e Tonino Guerra em Tempo di Viaggio termina nas colinas da Toscana, na província de Siena, nas termas de Bagno Vignoni, na bruma que de manhã se levanta da piscina de Santa Caterina da Siena.

Tonino, sobre essa busca de Nostalghia, e sobre as imagens que essa busca e o seu encontro possibilitou, escreverá:

«We travelled extensively from Naples soutwards, where he was struck by the beauty of the Baroque architecture of Lecce and the vision of Trani Cathedral. By the time we finnaly arrived Bagno Vignoni , the ideas for the structure of a film were entwined aroud a story he liked. I remember when we entedred the little church on the edge of the water-filled square, wher mist rising from the water gave a sense of distance to the landscape of ancient houses. The warm light that morning streamed through the dusty windows and came to the rest on faded decorations on a wall. He surprised me sitting on a pew, as though I were just the right shadow to accentuate the caress of the sun on the walls beyond my dark body.

These images leave with us a mysterious and poetic sensation, the melancholy of seeing things for the last time. It is as though Andrey wanted a swift way to pass on his own enjoyment to others. They are something to be shared, not only a method of making is own wish to stop time come true. And they feel like a fond farewell.» (Tonino Guerra in A Fond Farewell. Instant Light - Tarkovsky Polaroids. Edited by Giovanni Chiaramonte and Andrey A. Tarkovsky. London: Thames & Hudson, 2004). Tarkovszkij, por sua vez, registará no seu Diari: Martirologio, a 26 de Abril de 1980, o que efectivamente seria a formatação da ideia previamente concebida no seu espírito, como se o local finalmente descoberto para a sua Nostalghia, e, no fundo, para aquela outra nostalgia, ou para as várias nostalgias latentes, fosse, já de si, uma alteração, mental, dele próprio, enquanto local original e real, e, por isso, uma imagem artística construída a partir de elementos factuais, mas aberta a todas as possibilidades:

«The first half of the film will problably be set in Bagno Vignoni. But not in the real place - in an invented one. Where there is only the pool, and everything is dilapidated, more intimate, more provincial. From the very beginning, everything will take place near the pool by the hotel. Therefore I shall have to recreate the atmosphere of the place in detail.»

O que nos leva a interrogar-mo-nos sobre o processo de criação e sobre a relevância das imagens e da sua procura, mesmo que apenas matizadas interiormente e completamente autónomas da realidade, ou seja, a relevância para a imagem e criação artística entre o que é do domínio do inconsciente e do consciente. Acompanhemos Andrej, de novo, agora em Time Within Time: The Diaries 1970-1986, na entrada correspondente a 3 de Julho de 1975:

«How does a project mature? It is obviously a most mysterious, imperceptible process. It carries on independently of ourselves, in the subconscious, crystallizing on the wall of the soul. It is the form of the soul that makes it unique, indeed only the soul decides the hidden ´gestation period` of that image which cannot be perceived by the conscious gaze».

E o que é uma imagem artística?:

03.Fev.1974: «An artistic image is one that ensures its own develpment., its historical viability. An image is a grain, a self-evolving retrocative organism. It is a symbol of actual life, as opposed to life itself. Life contains death. An image of life, by contrast, excludes it, or else sees in it a unique potential for the affirmation of life. (...) Whatever it expresses - even destruction and ruin - the artistic image is by definition an emboyment of hope, it is inspired by faith» ( Time Within Time: The Diaries 1970-1986).

E que Nostalghia ou nostalgias imanam da imagem artística? Tarkovszkij encerra, agora em Sculpting in Time:

«The image is not a certain meaning, expressed by the director, but the entire world reflected as in a drop of water.»

E voltamos ao início: de uma imagem, de um Tempo di Viaggio, ou de uma viagem ou viagens, e de uma geografia latente, pode partir-se para a busca de um sentido, de uma nostalgia, mesmo já interiorizada anteriormente, e, se quisermos, para a realização e significado de uma arte aí encontrada ou produzida. Num instante de luz.

Passagem: Luce Istantanea; Tarkovsky Polaroids