novembro 27, 2007

Pale Blue Dot

A Pale Blue Dot foi inspirado numa imagem captada, por sugestão de Carl Sagan, pelo maior de todos os viajantes humanos: a sonda Voyager 1, a 14 de Fevereiro de 1990.
À medida que a Voyager se afastava da nossa vizinhança planetária a caminho dos limites frios e desconhecidos do sistema solar, os engenheiros fizeram-ma virar para um derradeiro olhar ao nosso planeta. A Voyager 1 encontrava-se a 6.4 biliões de kilómetros quando captou uma imagem da Terra, que correu mundo.
Posicionada entre finos raios luminosos da nossa estrela, o Sol, a Terra aparece nessa imagem como um frágil ponto de luz, perdido algures como mais uma passagem, assustadoramente insignificante, na imensa e incompreensível fuga cósmica.
Sagan, então, visionário, génio, e sonhador que era, para quem a astronomia era acima de tudo uma experiência de construção do carácter e da humildade, própria dos seres superiores, escreveu, em 1994, umas palavras memoráveis e que foram, para quem não sabe, precursoras - como, aliás, foi tudo em Sagan -, daquilo que hoje tão em voga está e que as grandes massas e muitos ignorantes enchem a boca e reproduzem sobre o aquecimento global e o efeito de estufa:
Look again at that dot. That's here. That's home. That's us. On it everyone you love, everyone you know, everyone you ever heard of, every human being who ever was, lived out their lives. The aggregate of our joy and suffering, thousands of confident religions, ideologies, and economic doctrines, every hunter and forager, every hero and coward, every creator and destroyer of civilization, every king and peasant, every young couple in love, every mother and father, hopeful child, inventor and explorer, every teacher of morals, every corrupt politician, every "superstar," every "supreme leader," every saint and sinner in the history of our species lived there--on a mote of dust suspended in a sunbeam.
O resultado foi o video que se segue. Um ponto para a eternidade: a pale blue dot (com a voz do próprio Sagan e memorável música de Vangelis, a mesma da série Cosmos):
Depois dele ... fácil é ter um laivo da compreensão da nossa insignificância e iniciar a maior de todas as demandas, a visão última de Carl Sagan, que um dia, como todas as outras que teve, será uma realidade: a vida e inteligência extraterrestre. O grande relato dos viajantes.
Passagem: Pale Blue Dot

Etiquetas: ,

novembro 22, 2007

A Maior de Todas as Viagens

No princípio dos anos 80, o mundo, a sociedade e as nossas vidas eram muito diferentes do que são hoje. Tão diferentes como a idade que temos agora. Quando eu tinha 14, 15 e 17 anos despertei para um mundo fascinante, distante e único, tão próximo daquilo que nos funda e eterniza, enquanto outros, da minha geração, se envolviam com outras coisas mais terrenas e acessíveis. Nesse tempo, já lá vão mais de 20 anos, apareceu na tv portuguesa uma série de divulgação científica, cuja produção era considerada a mais avançada da época. Essa série chamava-se Cosmos. Eram 13 episódios, apresentados, já não me lembro a que dias da semana, na rtp1. A série teve origem no livro do mesmo nome, cujo autor, um cidadão norte-americano, aí dos seus 50 anos, era-o também de outras obras. Nesse tempo, quando eu comecei a ver devotamente o Cosmos e a ler os os livros e artigos desse Senhor, eu fui conduzido a um outro mundo e a uma outra dimensão, mágica, que me formou enquanto pessoa, intelectual e moralmente, e influenciou toda a minha vida futura. E como a mim - viria a sabê-lo mais tarde - o mesmo sucedeu a dezenas de jovens portugueses da altura e a milhares de outros jovens e adultos espalhados pelo planeta; hoje, a milhões. Esse cidadão norte-americano, esse Senhor que nos entrava pela casa adentro, com o seu blazer de bombazine beije e camisola de gola alta côr de vinho, e uma voz firme e apaixonada, quase em transe, a falar-nos de tudo o que existe, existiu ou existirá, que me prendia horas a fio na leitura dos seus livros belíssimos, e que me fez, inclusive, endereçar-lhe cartas para Pasadena, na Califórnia, ser um dos primeiros membros portugueses da Planetary Society e sonhar em poder um dia trabalhar no Rádio-Telescópio de Arecibo, no Novo México, de auscultadores na cabeça a tentar captar, noite dentro, no silêncio do deserto, possíveis padrões de sinais de rádio vindos algures da galáxia, esse homem que transformou a inteligência, a compreensão, o carácter e a sensibilidade de tantos e tantos de nós naquele tempo chamava-se Carl Sagan.
Vivíamos, então, uma época maravilhosa, em que o entendimento das questões essenciais que afligem o ser humano desde as suas origens, como a vida e a morte, a origem das espécies e da vida na Terra, e a exploração do Universo, começava a poder ser vislumbrada através do tênue feixe de luz que a frágil lanterna da ciência consegue lançar sobre a nossa descomunal ignorância. Poucos conseguiam ter consciência dessas maravilhas e desse privilégio, contemplar esse momento único, regozijar-se de pertencer a tal momento da nossa fugaz existência no pano de fundo do oceano cósmico. Um desses raros homens foi Carl Sagan. Ninguém se esforçou mais do que ele para mostrar a todos nós, cientistas e leigos, a importância fundamental de tornar acessível a toda a espécie humana a posse dessa ténue luz da ciência. Ninguém como Sagan teve a coragem e a iniciativa de colocar à prova o pensamento científico, sem preconceitos, sem soberba e sem arrogância. Sagan ensinou-nos a intricada simplicidade das coisas e a relatividade de tudo. Ensinou-nos a modéstia, atributo próprio, como dizia, de quem se dedica ao estudo da astronomia, pois mais tarde ou cedo chegará a perceber o quanto finitos e incompletos nós somos. Com ele aprendemos a saber que a inteligência, a dignidade e a superioridade de cada um de nós está naquilo que aparentemente não se vê, mas no que se sente e busca para lá de todas as fronteiras, acima dos espíritos comezinhos e limitados. Podemos lembrar Sagan por ter sido um cientista e um astrônomo de renome internacional, pela sua participação em alguns dos mais importantes projetos da NASA como o das primeiras sondas Viking para Marte e Voyager para Júpiter (nos anos 70) e pela sua constante aparição nos meios de comunicação social e nas conferências da mais elevada comunidade científica do planeta. Mas certamente, para os que conhecem, ainda que superficialmente, a sua obra, as suas idéias e os seus ideais, Carl Sagan será sempre lembrado como um ser humano muito especial, com uma visão de mundo extremamente científica e, ao mesmo tempo, muito particular, demasiado vasta para o comum dos mortais, profundamente essencial e sentimentalmente poética. A ciência era sua musa inspiradora e falar da ciência era sua poesia. Sagan inspirou-nos a todos nós, num ou noutro sentido, na busca das questões fundamentais e verdadeiramente importantes. Soubémos com ele a não nos limitarmos a este mundo, mas a olhar as coisas na sua perspectiva mais profunda e verdadeira, com a consciência da nossa insignificância, com a elevação do nosso carácter. Carl Sagan era acima de tudo um idealista, um visionário e um sonhador. Talvez o último grande humanista, o derradeiro da linhagem do espírito grego. Perseguiu sempre as suas paixões ao longo da vida, como aquela que nutria pelo planeta Marte, e os seus sonhos, como aquele que foi o maior de todos, aquele que nos continua a afligir e a apaixonar, e que Sagan dizia ser o mais significativo, a busca essencial e a tarefa mais bela e relevante da história humana: a procura de vida e inteligência além da Terra, que retratou no romance que escreveu chamado Contacto, adaptado ao cinema por Robert Zemeckis, onde Jodie Foster, o alter-ego de Sagan, escuta os sinais vindos do espaço (SETI). Embora não tenha vivido para poder ver realizado esse que foi o maior de todos os seus sonhos (e quando se realizará???), Carl ainda pôde ver alguns deles concretizados. Outros deixou-os como legado às gerações futuras, em quem depositava toda a confiança e esperança. Quando me lembro da série televisiva Cosmos e dos seus livros e escritos não posso deixar de regozijar-me e agradecer, não sei bem a quê ou a quem, o privilégio de ter existido nesta época e compartilhar da existência de um ser humano como Carl Sagan. Com ele vamos através da poeira interestelar pelas vozes da fuga cósmica, detemo-nos, como Mark Twain, deitados na relva, nas noites de verão, a perscutar a estrelas, sentimos um arrepio ao escutar a música que John Williams compôs para ET ou os acordes de Vangelis para as primeiras e eternas imagens de Cosmos; com Sagan somos levados a ter uma fé inabalável no percurso da humanidade e a empreender a busca dos princípios fundamentais. Sagan ensinou-nos a relativizar o mundo e as coisas, a ir mais além do que devemos ir e a acreditar no que se manifesta por detrás do que aparece oculto. Carl Sagan conduz-nos numa viagem primordial pela história humana e pela evolução do Universo e aponta-nos, como uma luz última, tal o dedo reluzente do pequeno ET a tocar-nos a testa, os mundos para além da Terra e as vidas que atravessam a poeira do tempo e do espaço. Com Sagan regressamos a um mundo antigo e essencial, e à infância quente e protegida em que nos debruçávamos no parapeito para ouvir a música das estrelas e sentir os mundos que gravitam dentro e fora de nós, como uma grande enciclopédia galáctica. Conhecer Carl Sagan é compreender que o nosso mundo nunca mais será o mesmo. É empreender o maior de todos os mistérios e iniciar a maior de todas as viagens.
Carl Sagan morreu em 20 de Dezembro de 1996: vai fazer dentro de 1 mês 11 anos.

A espécie humana precisará crescer muito, deixar sua infância para trás. Talvez os nossos descendentes nesses tempos remotos olhem para trás, para a longa e errante jornada empreendida pela raça humana a partir das suas obscuras origens no distante planeta Terra, e, embrando as nossas histórias pessoais e colectivas, o nosso romance com a Ciência e a Religião, tenham uma visão plena de clareza, compreensão e amor." Carl Sagan (09/11/1934 – 20/12/1996)

Passagem: Carl Sagan Portal; Contact; Planetary Society; SETI - Search for Extraterrestrial Inteligence

Etiquetas:

novembro 16, 2007

Moleskine (5)

«Chegaria o tempo em que os homens deviam ser capazes de alongar o seu olhar (...), de ver os planetas como a Terra

Christopher Wren, discurso de inauguração, Gresham College, 1657

«(...) É possível crer que todos este passado seja apenas o início de um início, e que tudo aquilo que é e foi mais não é do que o primeiro reflexo da alvorada. É possível crer que tudo aquilo que o espírito já realizou seja tão só o sonho que antecede o despertar ... Na nossa linhagem hão-de nascer espíritos que nos irão observar, na nossa pequenez, para depois melhor nos conhecerem do que nós nos conhecemos. Virá um dia, um dia na infinita sucessão dos dias, em que seres ainda latentas nos nossos pensamentos, ocultos nos nossos flancos, se erguerão sobre esta Terra como sobre um pedestal e rirão e estenderão as mãos às estrelas

H.G.Wells, The Discovery of the Future, Nature, 1902

Etiquetas:

novembro 10, 2007

Ilhas Aran: Uma Carta (6)

Carta Sobre a Grandeza das Ilhas de Synge e O`Flaherty (por Francisco José Viegas; Revista LER, nº 15, Verão de 1991)
(continuação): «Não te contei nesta carta muito mais do que aquilo que, afinal, podes descobrir num livro ou num pequeno atlas das ilhas. Evidentemente que há coisas que ficam por dizer, não podem ser ditas, não há nenhuma linguagem para as dizer. Sobram de todas as imagens. Sobram de cada dia. Pressentem-se, apenas, de cada vez que olhas o farol, o pequeníssimo e importante farol diante da aldeia. Não servirá de muito. Não servirá senão para que os pássaros, que são negros, conheçam melhor o caminho para margens da ilha, mesmo rente ao cemitério.
«Saudades, portanto, é o que eu poderia dizer desde o princípio, só isso, apenas isso ...» (FIM).

Etiquetas: , , ,

novembro 04, 2007

Ilhas Aran: Uma Carta (5)

Carta Sobre a Grandeza das Ilhas de Synge e O`Flaherty (por Francisco José Viegas; Revista LER, nº 15, Verão de 1991)
(continuação): «Há muitas coisas para contar, há sempre muitas coisas para contar; recordo aqui que o mundo foi criado perto desta água, perto deste céu. Será talvez fascínio a mais, e sabemos ambos como o fascínio está perto, demasiado perto da morte, do fim, do abismo.

«Seja como for, chove sobre as três pequenas ilhas diante da baía de Galway, os barcos partem com lentidão, levam cartas e recados, avistarão em breve, se o céu por acaso estivesse limpo, o verde tranquilo das encostas de Sligo, de Donegal e sobretudo - sejamos realistas na geografia - as baías profundíssimas do county Mayo. O mundo parou em redor, e sabes como isso é bom algumas vezes na nossa vida, há uma música suave que vem de algumas casas que descem a rua principal de Cill Ronaín a caminho da baía onde os pescadores ao fim da tarde recolhem dois ou três arenques para o pequeno-almoço de cada dia. «Dizem-me que são os preparativos da festa do próximo domingo, pela noite - não no American, que é um bar tranquilo, mas do outro, mesmo em frente, onde os turistas mais jovens comem salchichas e bebem cerveja. «São canções tristes, algumas, cantam-nas os sean-nós, assim se chamam os cantores tradicionais. Outras são danças que hão-de irromper pela sala do bar e descer pela rua até à cruz celta que ilumina a pequena praça» (continua ...). Passagem: Aran Islands; Sean-Nós; Música Irlandesa; Música Irlandesa 2 ; Música Irlandesa 3 ; Música Irlandesa 4

Etiquetas: , , ,