outubro 29, 2007

Ilhas Aran: Uma Carta (4)

Carta Sobre a Grandeza das Ilhas de Synge e O`Flaherty (por Francisco José Viegas; Revista LER, nº 15, Verão de 1991)
(continuação): «Vêm aqui ter coisas de todo o mundo, pedaços de madeira, sons que chegam do mar, palavras estranhas em gaelic. Fico à espera que chegue o meu próprio recado, enquanto não esgotar a pequena reserva de dinheiro que disponibilizei para esta temporada nas Aran. Nessa altura, apanharei o avião em Shannon ou em Dublin, mas hei-de passar primeiro por Donegal e Sligo. Vaidades. Afinal, está por lá a primeira e mais antiga fábrica de tweed do mundo, e é o caminho para a mais antiga destilaria de whiskey. E foi lá que Yeats acabou por escrever as coisas mais bonitas.

«Não sei se isto é suficiente para uma história de amor, que é como devem ser todas as histórias que geralmente recordamos, nem sei, afinal, se isto basta para que este seja um desses últimos lugares do mundo. Talvez não seja, porque as cidades chamam por nós como uma agonia por quem tem por destino agonizar perdido na noite, mas não te importarás, pelo menos, de não sorrir à ideia de chamar única à finíssima luz do mar agora encostada à baía que se vê do American, na mesma pequena rua onde aquele casal de que te falei na carta anterior (Maíre e o marido) continua a vender recordações aos turistas - T-shirts, mapas, autocolantes, gorros de lã, bandeirolas para pendurar na porta cozinha, pelo lado de dentro. «Aqui ou em outro lugar que repita este, a vida continua a ser possível na recordação, na lembrança de segredos, na partilha de ninharias que se espalham ao acaso, como esta cruz celta antiga, mesmo defronte do bar. Convido-te, por isso, e como te prometi, a esta viagem. No fundo, aguardo a tua carta ou, se quiseres, aguardo-te, porque dificilmente se consegue resistir à falta de companhia. (continua ...) Passagem: Aran Islands; Tweed; American Bar

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outubro 22, 2007

Ilhas Aran: Uma Carta (3)

Carta Sobre a Grandeza das Ilhas de Synge e O`Flaherty (por Francisco José Viegas; Revista LER, nº 15, Verão de 1991)
(continuação): « (...) Seja como for, e já te contei alguma coisa nas cartas anteriores, às vezes os dois barcos da carreira regular para Ross-An-Mhill, o Arann Flyer ou o The Queen of Arann, trazem bonitas raparigas de olhos azuis, turistas que alugam bicicletas na loja onde o rapaz Ryan trabalha ("Good byke, good trip, good bye", diz ele a rir, a despedir-se, de cada vez que lhe peço uma), e parece-me que as almas visitadoras de Synge ou O ´Flaherty (este já não o cineasta mas o escritor, o autor de The Informer).

«Uma das raparigas-marujas que trabalha no Arann Flyer, e que me traz de vez em quando maços de cigarros que não há à venda aqui na ilha, é de Shannon, o que me faz contar-te uma história assustadora. Sob as águas do lago Shannon existiria uma cidade lendária que de sete em sete anos aparecia na segunda noite de lua cheia (ao completar esse ciclo); quem a visse, morreria (como acontecia também com quem ouvisse a música da harpa de Aiobhell, a fada de Craig Liath - o Rochedo Cinzento -, amante de Dubhlaing ua Artigan, que morreu na batalha de Clontarf, apesar do dom da invisibilidade que lhe foi emprestado por Aiobhell). «Há uns anos atrás, parece que um grupo estudou a fundo a natureza destes ciclos (é preciso contar com o tipo de calendário celta, em que o ano começa em Novembro e o Verão chega ao em Maio) e chegou à conclusão de que se iriam perfazer sete anos em determinada noite. Foram visitar Shannon nessa altura e nunca mais apareceram. Não sei se a história é verdadeira e podes dizer, daí, que as ilhas favorecem as alucinações, as visões e, obviamente, os enganos de alma. Também creio que isso é verdade, afinal. «De cada vez que vou a Dun Aonghasa ou me sento a uma mesa do American Bar sinto isso e acabo por não me importar: mistério a mais, mistério a menos ... Li um livro de versos de Katheryne Tynan que dizia exactamente a mesma coisa e um homem como Seamus Heaney, de que gostarás quando receberes o livro que o Arann Flyer leva hoje, não o desmente». (continua ...)

Passagem: Aran Islands

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outubro 12, 2007

Ilhas Aran: Uma Carta (2)

Carta Sobre a Grandeza das Ilhas de Synge e O`Flaherty (por Francisco José Viegas; Revista LER, nº 15, Verão de 1991)
(continuação): «(...) Também estive nesse lugar e chama-se Don Aonghasa (Dun Aengus), a oito quilómetros de Cill Ronáin - trata-se de um templo fortaleza em honra de Aengus, o deus do amor, filho de Dagda. Dizem que aparecia sempre acompanhado de pássaros (afinal como Cliona, amante de Ciabhan, uma espécie de deusa irlandesa da beleza e rainha das fadas do Munster, que tinha também sempre três pássaros a acompanhá-la). É um lugar misterioso e fica exactamente no lugar oposto à célebre rocha que assinala a fuga de Johm Dillon em direcção à América para escapar da polícia inglesa e ao local que se chama Sete Igrejas - recortado sobre o mar e em frente ao mar, vigiando as costas da Irlanda maior (Galway, afinal). «Mas das janelas do American supeita-se que o Arann Flyer, ao aproximar-se de Ross-An-Mhill e dos campos de turfeiras que só se esgotam junto de Salthill, já deve ter perdido todo o correio que leva, guardado em sacos de lona. Nos últimos dias os pequenos aviões não têm podido aterrar aqui, nem sobrevoar Inishere, a ilha ao lado. O farol da Oileán na Tuí, ultimamente, está mais ou menos coberto de neblina durante todo o dia e Mrs. Kavanagh (a minha anfitriã e hospedeira, na casa demasiado branca de que já te falei em cartas anteriores) não prevê melhorias por esta semana. Ela tem apenas quarenta anos mas lembra-se do tempo em que Inis Mór ficava isolada da Irlanda durante as semanas de temporal, invariavelmente em Janeiro.
«Synge, nos intervalos da escrita de Aran Islands, parava por aqui, nesta baía e seguia por um caminho que dá directamente para a colina de Daibhche, onde, dizem, estão sepultadps os corpos de duzentos santos, trazidos para aqui a fim de serem protegidos pelo futuro, mesmo depois da morte. Obviamente é uma repetição da ideia de que a Irlanda foi e provavelmente continua a ser uma espécie de refúgio da Europa, um lugar que constituiria uma reserva espiritual e uma ilha onde determinados valores, mistérios e relíquias estariam guardadas e entregues aaos cuidados dos druidas (ou de quem os substituiu), ao longo dos tempos.» (continua ...)
A Canção do Delirante Aengus (excerto) (W.B.Yeats, 1899)

«Talvez eu esteja cansado de vagar em meus caminhos/ Por tantas terras cheias de cavernas e colinas,/ Eu vou encontrar o lugar para onde ela se foi,/ E beijar seus lábios e segurar suas mãos;/ Caminharemos entre coloridas folhagens,/ E ficaremos juntos até o tempo do fim do tempo, colhendo/ As prateadas maçãs da lua,/ As douradas maçãs do sol

Inish Mór, Aran Islands, Irlanda; Set.2006 (Photo by RC)

Passagem: Dun Aengus; Aran Islands; Aengus

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outubro 07, 2007

Ilhas Aran: Uma Carta (1)

Carta Sobre a Grandeza das Ilhas de Synge e O`Flaherty
Francisco José Viegas escreveu para a Revista LER (nº 15, Verão de 1991), nos bons tempos em que dirigia essa publicação, um texto lindíssimo sobre uma jornada às Ilhas Aran, intitulado Carta Sobre a Grandeza das Ilhas de Synge e O`Flaherty. Confesso que esse texto, melancólico, preciso, mágico e inspirador, sempre me acompanhou e serviu, inclusivé, de antecâmara para a minha travessia para as Óileann Árainn. Lê-lo e relê-lo é propôr-mo-nos a uma autêntica campanha de visitação. São excertos desse mesmo texto o que de ora em diante se transcreve, hoje e depois. No fundo, assim se deve escrever sobre viagens, travessias, passagens e memórias delas.

Porto de Kilronan, Inis Mór, Ilhas Aran; Set.2006 (Photo by RC)

«O Arann Flyer partiu agora na direcção de Ross-An-Mhill (Rossaveal) e leva uma carta em que te peço alguns livros que, dirás, não têm importância. Este é uma dia de chuva, depois da tempestade que durou toda a noite e que, como de poderia dizer, fustigou este lado da pequena ilha. Inis Mór, de qualquer modo, não se afastou do seu lugar, embora pareça uma ilha flutuante, virada para a baía de Galway (que aqui se encontra, como sabes, também grafada como Gaillimh - e onde assisti, há quinze dias, às corridas de cavalos, as Galway Races eternizadas pelo poema de Yeats e pelas canções dos Pogues e dos Dubliners).

Comecei a reler Aran Islands, de Synge, e estranhei a forma como ele se aproxima de forma tão radical da função de geógrafo, embora conte histórias de fadas que os locais lhe afirmavam serem verdadeiras (pudera!, se alguém, como vem no livro, conta a forma como uma delas o raptou ...) e se limite, na sua estadia, a aprender gaelic (língua em que também eu estou a dar os primeiros passos agora) e a vigiar a vida local como observador de costumes. Talvez seja essa a verdadeira geografia dos lugares - vigia do presente, vigília do presente.

Inis Mór, Ilhas Aran; Set.2006 (Photo by RC)

Frente à baía de Cill Ronáin (Kilronan) que, como já te disse, está hoje cinzenta, há dois pubs e a partir das janelas de uma deles, o American, pode ver-se como o Arann Flyer se despede da ilha e traça no mar, não um risco branco, como é costume em dias de céu azul, limpo e brilhante, como aquele em que chegeui, mas uma rota invisível que algumas aves (serão gaivotas, como em Portugal) perseguem, como se seguissem um barco de pesca, mesmo daqueles artesanais que há por aí , ou do outro lado da ilha, em Bun Gabhla ou Cill Mhuirbhig. Recordo, por isso, as imagens do filme de Flaherty, The Man of Arann (...). É um filme assustador que acaba por dar-nos, em imagens, aquilo que o livro de John M. Synge nos dá em frases que sugerem outras imagens(continua...)

O American Bar, Kilronan, Inis Mór

Passagem: Aran Islands Video; Aran Islands Site; American Bar; Visit Aran Islands; John M. Synge; Aran Islands, by Synge; Man of Aran; Robert Flaherty

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