julho 24, 2008

Bruegel: Paisagens (3)

De nestenrover, (Huile sur bois,1568), Pieter Bruegel, l´Ancien
Pieter Bruegel, l `Ancien pintou De nestenrover (Le dénicheur), que traduziríamos para O camponês e o pilha ninhos, um ano antes da sua morte, em 1569. Em comparação com as suas representações mais antigas, esta obra dá a impressão de que poderia ter sido pintado por um outro artista. Na verdade, a paisagem montanhosa das suas primeiras imagens, porventura, como referímos, influenciadas pela sua viajem a Itália e aos Alpes, é agora substituída pelo imenso território plano dos campos, típico, aliás, da Vlaanderen (Flandres) e da Pajottenland, a vastidão do panorama cede perante a patente aproximação a determinados elementos da natureza e a tradicional enorme multiplicidade de figuras, como por exemplo sucede em Landschap met ijsschaatsen en de vogelknip (Paysage d ´hiver avec patineurs et trappe aux oiseaux) e De volkstelling te Betlehem (Le dénombrement de Bethléem), é drásticamente reduzida, mas, em contrafundo, apresentada de uma maneira monumental. A sua concepção da paisagem, que é, como temos visto, a marca relevante da sua obra, aparece, aqui, através da forma como, nomeadamente, a luz é captada através das árvores, formal e tecnicamente inovada. Efectivamente, com De nestenrover (Le dénicheur), Bruegel contribuíu decididamente para o desenvolvimento e a importância da pintura de paisagem.

Pajottenland, província de Vlaams-Brabant, Vlaanderen, Fev/Mar.2007 (Photos by RC)

Ainda e por último, as árvores. A Pajottenland, as árvores de Pieter Bruegel, l `Ancien, 500 anos depois, e os lugares da sua sequência de trabalhos intitulada De Maanden, aqui nos meses de Fevereiro e Março, como em De sondere tag (La journée sombre): Vollezele, Gooik, Leenik, Ninove, Gaasbeck, Oetingan, Enghien, St Pieters-Lieeuw.

julho 22, 2008

Paisagens: Bruegel (2)

Pieter Bruegel, l ´Ancien recebeu a tradição dos pintores Flamengos Primitivos dos século 15, como Van Eyck e Hans Memling, mas foi além dela ao transmitir-nos nas suas representações, quer sejam as gravuras ou os óleos sobre tela, a vastidão larga das paisagens e a importância significante de cada pormenor. Com Bruegel a paisagem passa para primeiro plano, assume o comando da descrição e o movimento da cena, na qual são registadas as tragédias e as comédias humanas até ao detalhe, que muitas vezes coloca enigmas na interpretação ou suscita a dificuldade de estabelecer conexões, como se algumas das suas imagens fossem uma imensa parábola de códigos desconhecidos. Com os seis trabalhos da sua série De Maanden (Os meses), pintados entre 1564-1565, designadamente com os dois deles que aqui vimos, respectivamente De Sondere Tag e De jagers in de sneeuw, Bruegel sugeriu-nos a transição do tempo, a passagem das estações do ano e, nelas, a mudança dos sentimentos e actividades humanas. Fê-lo através da imagética da paisagem, colocando-a no primeiro plano e à frente da observação, e deu-nos a perceber que subjacente a cada uma das suas cenas e representações por vezes independentes se desenrola a ideia maior e central: a de que o tempo, o triunfo de Saturno, mais tarde ou mais cedo resgatará os panoramas e o mundo. Com De Sondere Tag, um dos trabalhos daquela série, Bruegel transmite-nos esta ideia de efemeridade, esta passagem contínua, situando-nos nos meses de Fevereiro e Março, e, por isso, na transição do Inverno (De jagers in de sneeuw) para a Primavera, naquelas que são as paisagens da Pajottenland e as aldeias da Brabant, na Flandres. As árvores que vemos no plano central de De Sondere Tag são uma constante nos trabalhos de De Maanden, como se por elas, logo à primeira, sem ser preciso mais nada, percebêssemos a transição das estações e das emoções humanas. Pajottenland, província de Vlaams-Brabant, Vlaanderen, Fev/Mar.2007 (Photos by RC)
Das árvores partimos para o resto. Como nestas, aqui, que são, na verdade, uma das presenças mais impressivas e distintas da Pajottenland e da província de Vlaams-Brabant, por vezes com formas e silhuetas que apenas distam das dos quadros de Bruegel nos séculos. As árvores são as mesmas, o tempo é que não.

julho 19, 2008

Paisagens: Bruegel (1)

De Sombere Dag
De Sombere Dag, a representação respeitante aos meses de Fevereiro e Março, é a última da série De maanden, e mostra a transição do Inverno para a Primavera. À direita um agricultor, um "pajot" corta os ramos das árvores e outro recolhe a madeira. Outro homem renova, como é habitual nesta época do ano, as fachadas da sua casa, provavelmente uma "pagnote". Entretanto, dois camponeses alegres comem algumas wafels e uma criança, de mão dada com uma mulher, usa uma coroa de papel, numa clara alusão ao Carnaval. À esquerda um homem prepara a sua carroça, um músico toca flauta à porta de uma hospedaria e uma mulher e o seu filho parecem passar um mau bocado enquanto são perseguidas pelo marido e pai embriagados. Toda a cena desta pintura de Bruegel decorre ao entardecer, com algumas áreas, como os picos das montanhas nevadas e a fachada da casa, já iluminadas. Contudo, as montanhas em fundo revelam a presença latente do frio e da neve. A tempestade é também eminente. Mas as árvores que aparecem no centro da imagem constituem um ponto fixo e de mudança na paisagem ainda tormentosa. Estamos a presenciar a transição que se dá nas estações do ano em Fevereiro e Março. E é isso o que vemos suceder com as pinturas e as gravuras de Bruegel. A paisagem assume o protagonismo, autonomiza-se, deixa de ser uma característica secundária das representações, um adereço das figurações de carácter religioso, designadamente dos artistas flamengos primitivos do século 15. Com Bruegel, as paisagens começam a falar por si e a natureza adquire uma importância até aí relegada para segundo plano. Esta preferência pelas paisagens largas, a perder de vista, onde os homens e as mulheres são apenas representados como detalhes mínimos, quase imperceptíveis, é manifesta nas famosas séries de Bruegel conhecidas como De grote landschappen (As paisagens vastas), de 1555-1558, e De maanden (Os meses), de 1565-1566. Mas existe uma outra tradição da representação da paisagem para a qual Bruegel contribuíu significativamente. É patente em várias das suas De grote lanschappen não apenas a motivação para captar grandes cenários mas também uma enorme atenção ao detalhe, através da projecção de diversos elementos para o campo de observação. Por isso Bruegel está na esteira de uma importante evolução na arte da paisagem. Enquanto o princípio do século 16 apenas mostrou interesse pelas paisagens que ofereciam uma vista gereralista do cenário, a meio do século uma série de artistas começam a representar e a relevar pormenores da natureza de muito perto. No fundo: largueza de panorama e atenção ao detalhe. Bruegel desempenhou um papel fundamental neste desenvolvimento: nos seus trabalhos os elementos que não se encontram imediatamente à vista, os pequenos vestígios, tornam-se doravante mais importantes, até ocuparem praticamente toda a perspectiva, às vezes, inclusive, com significações estranhas, não perceptíveis, que levantam dúvidas de interpretação e sentido, como se fizessem parte de um mundo ampliado, grotesco. O fascínio de Bruegel pelo paisagem da Província de Brabant e pela região da Pajottenland está estreitamente ligado a este contexto. Mas apesar da contribuição de Bruegel para a evolução da arte da paisagem, raramente ele apresenta qualquer cena natural sem a presença de figuras humanas. As pessoas que aparecem nas suas imagens são na maioria invariavelmente camponeses, a trabalhar na natureza, a presenciar uma festa, a descansar ou como protagonistas da exemplificação de provérbios ou de contextos amorosos. É o que sucede marcadamente nas pinturas da série De maanden (Os meses), duas das quais, respectivamente, De Sombere Dag e De Jagers in de Sneeuw, estão aqui reproduzidas. O pico do Inverno, dos meses de Dezembro e Janeiro já passou. O compasso do branco da neve e do verde-azul do céu gelado dará progressivamente lugar ao verde e amarelo, que já se entrevê, como vimos, em De Sombere Dag. O que não sucedia com De Jagers in de Sneeuw, a paisagem anterior, a de Inverno, da séria De maanden, de Bruegel. Aqui, onde três caçadores, acompanhados pelos seus cães, regressam a casa com a sua magra caça, enquanto à porta da estalagem "In den hert" uma fogueira está a ser acesa, tudo o resto, os homens, as casas, as aves, estão representados numa cor sombria, a qual se opõe à concepção das cores da vida, que já se adivinham em De Sombere Dag. De contrário, em De Jagers in de Sneeuw o Inverno ocupa toda a extensão da paisagem, a qual é, na sua vastidão fria, acentuada pelo voo da ave que se encontra à direita, talvez num prenúncio da morte e da solidão do Inverno.
De Jagers in de Sneeuw

julho 12, 2008

A Redenção

O filme começa com uma voz off que reproduz o texto original da obra de Joseph Conrad, Lord Jim, escrita em 1899: "Para conhecer a idade da Terra, há que contemplar o mar durante uma tempestade. Mas ?que tempestade por revelar completamente o coração de um homem?". A partir daí é melhor esquecer o romance que dá nome ao filme. É impossível transformar em imagens o seu ritmo pausado, tórrido, indirecto, com o qual se desenrolam os elos complexos que traçam uma vida. Conrad penetra numa alma torturada. O filme, por seu lado, fica pela superfície nos actos que precipitam essa psicologia profunda. Partindo desta premissa, Lord Jim, o filme, convertesse numa fascinante história de aventuras, realizada, em 1965, por Richard Brooks. Esta narra-nos a história de um marinheiro capaz e honesto - o atormentado Peter O`Toole, que acabava de filmar o lendário Lawrence of Arabia - que se vê envolvido no S.S. Patna, um cargueiro oxidado que transporta centenas de muçulmanos de Java em peregrinação a Meca. Durante a jornada, no meio de uma tempestade, o barco roça um rochedo. O seu casco parece ceder e, num ataque de pânico, Jim e o resto da tripulação abandonam-no num bote salva-vidas. Ao chegar a terra, ao porto, encontram o S.S. Patna amarrado ao molhe. Então inicia-se a sua expiação. Em resultado, Jim desaparece no inferno dos molhes. O seu único desejo é poder ter uma segunda oportunidade. E encontra-a, sob um conjunto de casualidades que o levam a Patusán, um povoado da selva da Indonésia. A sua missão: libertar os nativos, escravizados por um senhor da guerra. Lord Jim reinvidica o direito de todo o homem a enganar-se a a endireitar a sua vida, redimir-se. O filme foi rodado em Hong Kong e no Cambodja, com a equipa a passar por momentos delicados: as embaixadas dos EUA e da Grâ-Bretanha em Phnom Pehn foram assaltadas. Começariam tempos obscuros. Batia um coração nas trevas que nem Conrad poderia imaginar.

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julho 08, 2008

Moleskine (9)

Travel Book Stores
Sugestões
Madrid: Altaír, www.altair.es/
Viena: Freytag & Berndt
Paris: Ulysse, www.ulysse.fr/
Londres: Standford´s, www.standfords.co.uk/
Londres: Travelbookshop, www.travelbookshop.com/
Amesterdão: Pied à Terre, www.piedaterre.nl/
Turim: Il Giramondo, www.ilgiramondo.it/
Katmandú: Himalayan Book Centre
Estocolmo: Kartbutiken, www.kartbutiken.se/
Genéve: Le Vent des Routes, www.vdr.ch/
Zurique: TravelBook Shop, www.travelbookshop.ch/
New York: Strand Bookstores, http://www.strandbooks.com/

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julho 04, 2008

Passing Through: Hotéis (2)

O Hotel Francia
Um homem está insconsciente a meio da rua, frente à entrada de um estabelecimento de venda de mezcal. Estamos no cenário de Under the Volcano, o romance de Malcolm Lowry, que nos leva até Oaxaca, no México.
À primeira hora da manhã as ruas estão vazias. O ar entra pela boca como se fosse mordido por lascas de limão verde. Não se ouve nenhum ruído nos casarões do centro da cidade. Passo à frente de um edifício que se chama Hotel Francia, no qual se alojou Malcolm Lowry em 1936, quando vivia muitos dos acontecimentos que acabou por narrar no seu lendário romance. Também por lá tinha estado D.H. Lawrence, doze anos antes, em 1924, quando uma espanhola era a dona do Hotel. Não parece que Lowry soubesse que compartilharia o Hotel com Lawrence, nem tampouco o importaria isso. Quando se hospedou no Hotel o autor de Under the Volcano estava a passar por uma dos seus habituais ataques de paranóia e pensava estar ser perseguido pela polícia. O Hotel Francia é um estabelecimento desfasado, com grandes quartos quase vazios, aos quais se chega por uma ampla escada revestida a azulejos. Há uma espécie de gente que viaja para ler e outra lê para viajar. Os que leem para viajar apenas puseram os pés fora da sua cidade, mas podem descrever com precisão as paisagens dos Himalaias, onde vive o leopardo da neve, só porque o leram num livro de Peter Matthiessen. Outros preferem ler os livros de Peter Matthiesen nos próprios lugares onde se desenrolam os acontecimentos. Por isso devemos entrar, como agora, no Hotel Francia. De algum modo, dormir no Francia significa reviver alguma das Irmãs Mexicanas de D.H. Lawrence. Ir ao México significa ter sido arrastados por todos estes livros, homens, mulheres e paisagens. Quando Lawrence se hospedou ali, no Hotel, em Oaxaca, as colinas que podia contemplar da sua janela pareciam-lhe "desafortunadas, quase como que uma ilusão, e inumanas". Olha-se pela janela e não se vê hoje colinas nenhumas. A única coisa que sabemos é que nós mesmos, se estivéssemos na nossa sala de estar, em casa, em vez de estar naquela quarto do Francia é que nos sentíriamos sem fortuna, quase ilusórios e, certamente, inumanos.

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