Rimbaud: Partir (4)
Fragmentos, cartas, passagens: Rimbaud prossegue, desaparece progressivamente, entre fadigas e privações. Volta ao Cairo, pensa regressar à Abissínia, partir até Zanzibar, ou até à China, quem sabe onde? Fica por Harar; mas adivinhava-se ... Cairo: 23 de Agosto de 1887: (...) Vim para aqui porque este ano os calores eram insuportáveis no Mar Vermelho: todo o tempo de 50 a 60 graus; e, encontrando-me muito enfraquecido, após sete anos de fadigas que nem se pode imaginar e privações as mais abomináveis, pensei que dois ou três meses aqui me restabeleceriam; mas são mais despesas, dado que não encontro nada para fazer, e a vida é à europeia e muito cara. Ultimamente, tenho sido atormentado por uma dor reumática nos rins, que me faz perder a paciência; tenho uma outra na coxa esquerda que de vez em quando me paralisa, uma dor articular no joelho esquerdo, uma dor (já antiga) no ombro direito; tenho os cabelos todos grisalhos. Sinto a minha vida preclitante. Façam ideia de como uma pessoa deve ficar depois de proezas do género das seguintes: travessias de mar e viagens por terra a cavalo, de barco, sem roupas, sem comida, sem água, etc., etc. (...) Não ficarei muito tempo por aqui: não tenho emprego e é tudo muito caro. Devido a isto, deveri voltar para os lados do Sudão, da Abissínia ou da Arábia. Talvez vá até Zanzibar, de onde se podem fazer longas viagens a África, e talvez à China, ao Japão, quem sabe onde? (...) Harar, 18 de Maio de 1889: (...) pois creio que devemos ter um ar excessivamente barroco após tão longa estadia em terras como estas.
Harar, 10 de Novembro de 1890: Minha querida Mamã: Recebi a tua carta de 29 de Setembro de 1890. Ao falar de casamento quis eu dizer que entendia ficar livre para viajar, viver no estrangeiro ou mesmo continuar a viver em África. Estou de tal modo desabituado do clima da Europa que dificilmente voltaria para aí. Provavelmente, ser-me-á até necessário passar dois invernos fora, isto admitindo que um dia possa voltar a França. E depois, como poderei refazer relações, que empregos poderei encontrar? - É ainda uma questão a pôr-se. Aliás, se há coisa que me é impossível é a vida sedentária. Seria necessário que eu encontrasse alguém que me seguisse nas minhas peregrinações. (...) Quanto a Harar, não há nenhum cônsul, nem nenhum posto, nem nenhuma estrada; chega-se aqui por camelo e vive-se exclusivamente entre negros. Mas enfim, é-se livre e o clima é bom. Tal é a situação. Adeus.
Aden, 30 de Abril de 1891: Querida Mamã, (...). Vendo crescer constantemente o inchaço no meu joelho direito e a dor na articulação sem encontrar remédio nem conselho, pois em Harar estamos no meio dos negros e não há nenhum europeu, resolvi ir-me embora. (...) Contratei dezasseis carregadores negros, à razão de 15 talaris cada um, de Harar a Zeilah, mandei fabricar uma maca com uma cobertura de tela, e foi em cima dela que acabei de percorrer em 12 dias os 300 quilómetros de deserto que separam as montanhas de Harar do porto de Zeilah. É inútil dizer-vos os sofrimentos horríveis que suportei durante a viagem, sem nunca poder dar um passo fora da maca, o meu joelho inchava a olhos vistos e a dor aumentava constantemente. (...) Quanto a mim, ela foi certamente causada pelo cansaço das caminhadas a pé e a cavalo em Harar. (...)
Hospital de la Conception, Marselha, quinta-feira, 21 de Maio de 1891: Minha querida Mamã, minha querida irmã: Após sofrimentos terríveis, não tendo podido tratar-me em Aden, apanhei o barco da Transportadora para regressar a França. Cheguei ontem, depois de treze dias cheio de dores. Sentindo-me demasiado fraco à chegada e transido de frio, tive de dar entrada aqui no Hospital de la Conception, onde pago 10 francos por dia, com remédio incluído. (...)
Telegrama de Rimbaud à Mãe: Marselha, 22 de Maio de 1891. Expedido às 2h50: Hoje, tu ou a Isabelle, venham a Marselha por comboio expresso. Segunda de manhã amputam-me a perna. Perigo de morte. Tratar de assuntos importantes. Arthur. Hospital Conception. Respondam.