abril 27, 2010
abril 22, 2010
As Ilhas (3)
A Ilha Virgem
«Rousseau, em O Contrato Social, adverte o leitor de que só um «povo de deuses» seria capaz da democracia, e que um «governo tão perfeito» não «convém aos homens». Mas o seu pessimismo antropológico detém-se de forma bizarra nas fronteiras da ... Córsega, acerca da qual afirma ser o único país da Europa ainda «capaz em matéria de legislação». Se a Córsega escapa à melancolia do genebrino é pelo facto de ela ser um milagre onde estão reunidas as condições impossíveis de encontrar noutros lugares para um governo democrático: em primeiro lugar, trata-se de uma ilha; depois, é um pequeno Estado em que todos os membros são iguais, de costumes simples e indiferentes ao luxo ... Portanto, «o povo corso encontra-se no estado feliz que torna possível uma boa instituição ... São necessárias boas leis (...) para restabelecer a concórdia totalmente destituída pela tirania», declara o filósofo no Project de Constitution pour la Corse, redigido em 1763. Não é inocente que o eremita orgulhoso faça de uma ilha a sua utopia concreta; só um espaço liberto dos usos e costumes pode encarnar a ficção rousseauniana de um estado da natureza preservado da desgraça e da queda na História. Somente uma ilha, ainda virgem, permite abjurar as «leis artificiais inventadas pelos homens» em proveito das leis naturais que «comandam o coração e não tiranizam de forma alguma as vontades». Quando os continentes derivam e as fraquezas prosperam, a ilha é exaltada como um enclave, um paliativo, a força elementar de uma saúde perdida desde que o homem vive - e sobrevive - em sociedade. A ilha é a origem do mundo, a promessa de um novo começo e porto de abrigo das nossas esperanças perdidas. Salvaguardada da história pelo mar, a ilha encarna a idade de ouro do humano e, portanto, também a promessa da sua redenção» (texto de Raphael Enthoven; Lire, Junho 2004; Trad. de João Carlos Barradas)