Inutile Phare de la Nuit (2)
«Deve ser porque tenho pensado muito em ti, continuou, nestas ilhas, no sol. Agora falava quase sussurrando como se falasse para si própria. Não fiz senão imaginar-te, durante todo esse tempo, choveu sempre, via-te sentado numa praia, penso que foi demasiado longo. O homem pegou-lhe na mão. Também para mim, disse, mas nas paraias estive pouco, o que mais vi foi a máquina de escrever. E depois chove também aqui, a cântaros. A mulher sorriu.»
E depois:«De qualquer modo escrevi outras coisas, prosseguiu ele, estas ilhas são de um tédio mortal, para passar o tempo não há outro remédio senão escrever. E além disso queria confrontar-me com uma dimensão diferente, passei toda a vida a escrever ficção. A mim parece-me mais nobre, disse a mulher, pelo menos é mais gratuita, e portanto, como dizer?, mais leve ... Oh sim, riu o homem, a delicadeza: par délicatesse j`ai perdu ma vie. Mas a certa altura é preciso ter a coragem de se medir com a realidade, pelo menos com a realidade da nossa vida. E depois, olha, a gente está sedenta de vida realmente vivida, está cansada da fantasia dos romancistas sem fantasia. A mulher perguntou baixinho: são memórias?».
E outros fragmentos: os que decidem partir e não voltar; a Horta; os acasos; as baleias adormecidas, a ilha absoluta do Pico; o regresso de uma caça; a história fantástica de Lucas Eduíno, em Porto Pim; os ventos sobre tudo o resto: Inutile Phare de la Nuit:«Rupert tem o cabelo muito ruivo, sardas, uma cara patusca de Danny Kaye. Talvez me tenha dito que era escocês ou talvez eu o considere como tal devido à sua fisionomia. Em Londres trabalhava numa companhia de navegação: anos e anos sentado a uma mesa, com a luz eléctrica acesa, a sonhar os portos longínquos donde chegavam mercadorias exóticas. Assim, um dia pediu a liquidação, vendeu tudo o que tinha e comprou este barco. (...) Breezy foi com ele e agora vivem no barco. Seja benvindo a nossa casa, dizem rindo. Breezy tem um rosto franco muito cordial, um esplêndido sorriso e traz um vestido comprido às flores como se tivesse de enfrentar um garden-party e não uma travessia do Atlântico.»
Inutile Phare de la Nuit: o destino em Porto Pim. Voltamos à história de Rupert e Breezy, que os ventos levaram à Horta e que agora os fazem partir de novo:«Os copos batem mum brinde à viagem. Oxalá tenham bons ventos, é o que lhes desejo, agora e sempre. Rupert corre a portinha de uma estante e introduz uma bobina na aparelhagem estereofónica. É o Concerto K 271 para piano e orquestra de Mozart, e só neste momento compreendo porque o barco se chama Amadeus. (...) Penso que Rupert e Breezy atravessam os mares acompanhados pelos cravos e pelas melodias mozartianas e a coisa parece-me de uma estranha beleza, talvez porque sempre associei a música à ideia da terra firme, do teatro ou de uma sala com isolamento sonoro e na penumbra. A música adquire um tom solene e envolve-nos. Os copos estão vazios, levantamo-nos e abraçamo-nos. Rupert põe o motor a trabalhar, meto-me pela escadinha e num pulo estou no molhe. Cai uma luz macia sobre o aglomerado de casas de Porto Pim. O Amadeus dá uma volta e parte velozmente. Breezy vai ao leme e Rupert está a içar a vela. Fico a acenar com a mão até que o Amadeus, já com todas as velas pandas, alcança o largo.»
Inutile Phare de la Nuit ...