As Ilhas como Metáfora: A Ilha do Excesso
A Ilha do Excesso «A ilha é, também, o território do excesso, aquilo a que os gregos chamavam hubris. É numa ilha, com efeito, que Platão situa a Atlântida nos diálogos Timeu e Crítias. Segundo o filósofo ateniense, foi Sólon quem trouxe do Egipto, por volta do ano 600 a.C., a história e a descrição dessa ilha condenada pelos seus excessos. Imensa e opulenta, dividida em dez reinos e em milhares de distritos, com uma capital toda em ouro e marfim, a Atlântida opõe-se ponto por ponto à cidade ideal, modesta e unida, à Atenas arcaica proposta em A República. Será, aliás, a propensão ao desconexo e à multiplicidade que levará a Atlântida à ruína. A ilha é, neste caso, a figura negativa do outro. Outro exemplo da desmesura fatal que podem representar as ilhas encontra-se no Canto IX da Odisseia: depois de ter escapado aos Lotófagos, Ulisses chega à ilha do ciclope Polifemo (a actual Sicília); este devora imediatamente seis dos dez companheiros do viajante. A desmesura é aqui acompanhada de transgressões de todo o tipo, como o consumo de carne humana e de ambrósia em excesso. É precisamente por isso que o ciclope provoca a sua própria perda: Ulisses consegue embriagá-lo, cravar uma estaca no seu olho e fugir da caverna, enganando, mais uma vez, os ditames do destino. Essas costas insulares do excesso são, também, pintadas na banda desenhada, com o pincel de Hergé nas aventuras de Tintin, designadamente nas pranchas da famosa A Estrela Misteriosa, em que a fauna e a flora são gigantescas, ameaçadoras e, simultaneamente, ameaçadas. Porque as ilhas da desmesura são efémeras: «Na literatura utópica, a ilha que desaparece submersa é, também, uma maneira de mostrar que as utupias não podem existir», comenta Alberto Manguel.» (texto de Clémence Boulouque; Lire, Junho 2004; Trad. de João Carlos Barradas)
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