A Índia provoca nos Ocidentais uma emoção tão intensa que pode fazer "tombar" certos viajantes num delírio que regride espontaneamente ao regressarem ao país de origem. (...) Do século XVI ao início do século XX, muitos autores se interessaram pelos viajantes ocidentais na Índia. Mas encontramos pouco rasto escrito dos milhares de contemporâneos nossos que aí se "perderam" desde as grandes migrações romãnticas dos anos 70 - e ainda aí se perdem. Claro que há as histórias de todos os que "fizeram o caminho", mas poucas investigações sérias se ocupam deste fenómeno, no entanto bem conhecido (...): a Índia, Triângulo das Bermudas da mente. "Ele foi para lá. Desde então é o silêncio na rádio ..." E quando ele volta - se volta -, o viajante é um "repatriado das Índias". Evoca-se então a droga ou as seitas, e está tudo dito ...
Porquê tão poucas obras sobre o assunto? Será porque um mito, sobretudo se está vivo, não se escreve, sob pena de perder a sua magia? Ou porque é preciso guardar segredo de um
território de refúgio, neste planeta diminuído pelo "pensamento único"? Não é reconfortante sonhar um lugar "ao largo do Real", um lugar intemporal e sem condição, como pode sê-lo para as crianças a ilha de Peter Pan: um jardim suspenso na linha de fuga do nosso imaginário? Esse lugar existe e é a Índia. Os que o sonharam nunca ficam desiludidos quando a descobrem.
"Mother India", como lhe chamam os seus habitantes, opõe ao mito da modernidade e ao seu corolário, o culto do trabalho, que o Ocidente parece considerar a única relegião possível, o ideal de uma harmonia do homem com o universo. Assim fazendo, interroga-nos sobre a arrogância de que damos provas ao querer impor os nosso próprios valores, quando existem tantas outras maneiras de apreender o mundo.
É talvez esta interrogação, mas também a ausência de limite claro entre o Real e o Imaginário, a vida e a morte, que faz vacilar o viajante ocidental sobre o pedesta
l das sua certezas. A vertigem que lá se sente, mais do que em qualquer outro lugar, não será a da tomada de consciência súbita de que o que se concebe como Real poderá não ser mais do que ilusão? Não remeterá para o sentimento de pavor que o homem sente perante a fuga do tempo, face à sua inelutável finitude?