De Sombere Dag, a representação respeitante aos meses de Fevereiro e Março, é a última da série
De maanden, e mostra a transição do Inverno para a Primavera. À direita um agricultor, um "pajot" corta os ramos das árvores e outro recolhe a madeira. Outro homem renova, como é habitual nesta época do ano, as fachadas da sua casa, provavelmente uma "pagnote". Entretanto, dois camponeses alegres comem algumas wafels e uma criança, de mão dada com uma mulher, usa uma coroa de papel, numa clara alusão ao Carnaval. À esquerda um homem prepara a sua carroça, um músico toca flauta à porta de uma hospedaria e uma mulher e o seu filho parecem passar um mau bocado enquanto são perseguidas pelo marido e pai embriagados. Toda a cena desta pintura de Bruegel decorre ao entardecer, com algumas áreas, como os picos das montanhas nevadas e a fachada da casa, já iluminadas. Contudo, as montanhas em fundo revelam a presença latente do frio e da neve. A tempestade é também eminente. Mas as árvores que aparecem no centro da imagem constituem um ponto fixo e de mudança na paisagem ainda tormentosa. Estamos a presenciar a transição que se dá nas estações do ano em Fevereiro e Março.
E é isso o que vemos suceder com as pinturas e as gravuras de
Bruegel. A paisagem assume o protagonismo, autonomiza-se, deixa de ser uma característica secundária das representações, um adereço das figurações de carácter religioso, designadamente dos artistas flamengos primitivos do século 15. Com Bruegel, as paisagens começam a falar por si e a natureza adquire uma importância até aí relegada para segundo plano. Esta preferência pelas paisagens largas, a perder de vista, onde os homens e as mulheres são apenas representados como detalhes mínimos, quase imperceptíveis, é manifesta nas famosas séries de Bruegel conhecidas como
De grote landschappen (As paisagens vastas), de 1555-1558, e
De maanden (Os meses), de 1565-1566. Mas existe uma outra tradição da representação da paisagem para a qual Bruegel contribuíu significativamente. É patente em várias das suas
De grote lanschappen não apenas a motivação para captar grandes cenários mas também uma enorme atenção ao detalhe, através da projecção de diversos elementos para o campo de observação. Por isso Bruegel está na esteira de uma importante evolução na arte da paisagem. Enquanto o princípio do século 16 apenas mostrou interesse pelas paisagens que ofereciam uma vista gereralista do cenário, a meio do século uma série de artistas começam a representar e a relevar pormenores da natureza de muito perto. No fundo: largueza de panorama e atenção ao detalhe. Bruegel desempenhou um papel fundamental neste desenvolvimento: nos seus trabalhos os elementos que não se encontram imediatamente à vista, os pequenos vestígios, tornam-se doravante mais importantes, até ocuparem praticamente toda a perspectiva, às vezes, inclusive, com significações estranhas, não perceptíveis, que levantam dúvidas de interpretação e sentido, como se fizessem parte de um mundo ampliado, grotesco. O fascínio de Bruegel pelo paisagem da Província de Brabant e pela região da
Pajottenland está estreitamente ligado a este contexto. Mas apesar da contribuição de Bruegel para a evolução da arte da paisagem, raramente ele apresenta qualquer cena natural sem a presença de figuras humanas. As pessoas que aparecem nas suas imagens são na maioria invariavelmente camponeses, a trabalhar na natureza, a presenciar uma festa, a descansar ou como protagonistas da exemplificação de provérbios ou de contextos amorosos. É o que sucede marcadamente nas pinturas da série
De maanden (Os meses), duas das quais, respectivamente,
De Sombere Dag e
De Jagers in de Sneeuw, estão aqui reproduzidas.
O pico do Inverno, dos meses de Dezembro e Janeiro já passou. O compasso do branco da neve e do verde-azul do céu gelado dará progressivamente lugar ao verde e amarelo, que já se entrevê, como vimos, em
De Sombere Dag. O que não sucedia com
De Jagers in de Sneeuw, a paisagem anterior, a de Inverno, da séria
De maanden, de Bruegel. Aqui, onde três caçadores, acompanhados pelos seus cães, regressam a casa com a sua magra caça, enquanto à porta da estalagem "In den hert" uma fogueira está a ser acesa, tudo o resto, os homens, as casas, as aves, estão representados numa cor sombria, a qual se opõe à concepção das cores da vida, que já se adivinham em
De Sombere Dag. De contrário, em
De Jagers in de Sneeuw o Inverno ocupa toda a extensão da paisagem, a qual é, na sua vastidão fria, acentuada pelo voo da ave que se encontra à direita, talvez num prenúncio da morte e da solidão do Inverno.